Jornal da USP
29/09/2025

Com participação de cientistas da USP, a equipe a cargo do Telescópio de Horizonte de Eventos (EHT, na sigla em inglês) divulgou novas imagens do buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, chamado de M87*. As figuras revelam como o campo magnético se altera ao seu redor: no horizonte de eventos – o limite do buraco negro – nem a luz é rápida o bastante para escapar da gravidade.
O grupo de cientistas identificou a extensão do jato relativístico — a matéria em estado plasmático — do buraco negro para além de sua base. Ele é ejetado do horizonte de eventos, da sua singularidade, o ponto do buraco negro onde a gravidade é tão massiva que não existe mais espaço-tempo. Essas novas observações, publicadas na revista científica Astronomy & Astrophysics, fornecem informações sobre o comportamento da matéria e da energia nos ambientes extremos que circundam o buraco negro.
Localizada a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra, a galáxia M87 abriga um buraco negro supermassivo com mais de 6 bilhões de vezes a massa do Sol. A equipe do EHT usa um rede global de radiotelescópios, que capturam ondas de rádio espaciais para enxergar onde os sistemas óticos convencionais não veem. O projeto, então, coordena equipamentos ao redor do globo e faz o planeta de telescópio. Em 2019, o grupo capturou a primeira imagem da “sombra” do M87*, a área escura do buraco negro onde nem a luz escapa. Agora cientistas comparam registros de 2017 a 2021 para compreender como os campos magnéticos próximos ao corpo celeste mudam ao longo do tempo.
“O que se destaca é que, embora o tamanho do anel — o eco de luz que rodeia o buraco negro — tenha permanecido constante ao longo dos anos, comprovando a teoria de Einstein, o padrão de polarização magnética mudou significativamente” disse Paul Tiede, astrônomo do Centro de Astrofísica da Universidade de Harvard em parceria com o Instituto Smithsonian e autor principal do artigo. “Isso mostra que o plasma magnetizado que gira perto do horizonte de eventos não é estático; é dinâmico e complexo, o que desafia os nossos modelos teóricos.”
“A cada ano aprimoramos o EHT — com novos telescópios, instrumentação atualizada, ideias inovadoras para exploração científica e algoritmos inéditos que extraem ainda mais informação dos dados”, acrescentou o coautor Michael Janssen, membro do conselho científico do EHT e professor assistente da Universidade Radboud de Nimega, na Holanda. “Neste estudo, todos esses fatores contribuíram para gerar novos resultados e novas perguntas, que certamente nos ocuparão por muitos anos.”
Padrão invertido
“O fato de o padrão de polarização ter invertido entre 2017 e 2021 foi totalmente inesperado”, disse Jongho Park, astrônomo da Universidade Kyunghee e colaborador do projeto. “Isso desafia nossos modelos e mostra que ainda há muito que não compreendemos perto do horizonte de eventos.”
O Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP passou a integrar formalmente a pesquisa em 2022, com a chegada do professor Ciriaco Goddi — participante do projeto desde seu início, em 2014. O professor Ciriaco Goddi liderou o grupo responsável pela calibração dos seus dados no EHT. Goddi também atuou no Atacama Large Millimeter Array (Alma): pilar fundamental no observatório planetário, é o maior e mais potente radiotelescópio do mundo, e se localiza a 5 mil metros de altitude no deserto do Atacama, no Chile.
No IAG, o professor orienta o doutorando Douglas Carlos na investigação da polarização do M87*. “As observações do Alma, realizadas em conjunto com o EHT, nos permitem investigar campos magnéticos em escalas espaciais muito maiores que o anel do buraco negro. Isso é crucial para estudar o jato relativístico do buraco negro, um feixe estreito de partículas energéticas lançado a quase a velocidade da luz”, explicou Carlos. “Ao combinar observações de múltiplos anos do Alma e do EHT conseguimos acompanhar a evolução conjunta do buraco negro e do seu jato, fornecendo informações fundamentais para os modelos de evolução de jatos.”
As observações do EHT em 2021 incluíram dois novos telescópios — Kitt Peak, no Arizona, Estados Unidos, e Noema, na França — que aumentaram a sensibilidade da rede e a clareza das imagens. Isso permitiu aos cientistas determinar, pela primeira vez no EHT, a direção da emissão na base do jato relativístico do buraco negro M87*. Melhorias nos telescópios da Groenlândia e James Clerk Maxwell, no Havaí, também contribuíram para elevar a qualidade dos dados em 2021.
“O aprimoramento da calibração resultou em um evidente ganho de qualidade e organização dos dados, o que possibilitou identificar as primeiras características na base do jato — onde se requer maior sensibilidade”, afirmou Sebastiano von Fellenberg, pós-doutorando do Instituto de Astrofísica Teórica da Universidade de Toronto (Cita) e do Instituto Max Planck de Radioastronomia (MPIfR), responsável pela calibração do projeto. “Esse salto tecnológico também aumenta nossa capacidade de detectar sinais sutis de polarização.”
Astronomia brasileira na Argentina
Olhando para o futuro, a USP desempenha um papel central no projeto LLAMA, um novo radiotelescópio de 12 metros em construção no deserto da Puna de Atacama, na Argentina. Resultado de uma parceria entre o Estado de São Paulo via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), IAG e Ministério de Ciência e Tecnologia da Argentina, o novo telescópio integrará o EHT em breve. “Junto ao Alma, a adição fornecerá dados importantes para a calibração do EHT”, observa Goddi, “informações cruciais, também, para caracterizar a emissão difusa de matéria e energia entre o horizonte e a base do jato — o que permitirá a geração de imagens da região de lançamento do jato.”
Jatos como o do buraco negro M87* desempenham um papel essencial na evolução das galáxias ao regular a formação de estrelas e distribuir energia no Universo em grandes escalas. Ao emitir matéria e energia em todo o espectro eletromagnético — incluindo raios gama e neutrinos —, o jato relativístico caracterizado se apresenta como um laboratório único para investigar como esses fenômenos se formam e são lançados a partir do horizonte de eventos. Esta nova detecção traz uma peça fundamental do quebra-cabeça.
“Esses resultados mostram como o EHT está se consolidando como um observatório científico completo, capaz não apenas de fornecer imagens inéditas, mas de construir conhecimento acerca da física dos buracos negros de forma progressiva e coerente”, disse Mariafelicia De Laurentis, professora da Universidade de Nápoles Federico II, na Itália, e cientista do projeto EHT. “Cada nova investigação amplia a nossa perspectiva — desde a dinâmica do plasma e dos campos magnéticos até o papel dos buracos negros na evolução cósmica. É uma demonstração concreta do extraordinário potencial científico desse instrumento.”
À medida que a colaboração EHT continua a expandir suas capacidades observacionais, esses novos resultados vão iluminar a dinâmica que circunda o M87* e aprofundar a compreensão científica sobre a física dos buracos negros.
O artigo Horizon-scale variability of from 2017–2021 EHT observations está disponível on-line e pode ser lido aqui. [1]
[1] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/novas-imagens-de-rede-de-radiolestcopios-eht-revelam-fenomeno-inesperado-de-inversao-em-buraco-negro/
Como citar este texto: Jornal da USP. Novas imagens de rede de radiotelescópios EHT revelam fenômeno inesperado de inversão em buraco negro. Saense.https://saense.com.br/2025/09/novas-imagens-de-rede-de-radiotelescopios-eht-revelam-fenomeno-inesperado-de-inversao-em-buraco-negro/ . Publicado em 29 de setembro (2025).