Luana Mendonça
19/02/2019

Figura 1 – Imagens da nova espécie de esponja Haliclona cnidata mostrando a composição do seu esqueleto: A – imagem da espécie em um aquário; B-F – imagens da estrutura interna da esponja e várias partes do esqueleto; G – espículas da esponja. [1]
Acredito que eu já mencionei, em mais de uma ocasião, que eu trabalho com o grupo mais legal de animais (kkk), os cnidários

(anêmonas, águas-vivas, corais, etc.) e também não é segredo o quanto qualquer assunto relacionado a esse grupo me interessa… logo, quando recebi esse artigo de uma amiga especialista em esponjas (Dra. em zoologia Joana Sandes) fiquei extremamente encantada e resolvi que seria o próximo texto para o Saense!

Em resumo, o artigo descreve uma nova espécie de esponja Haliclona cnidata (Figura1) que apresenta uma particularidade, ela possui nematocistos (Figura 2), um dos tipos de organela celular produzida pelos membros do filo Cnidaria. Nós conhecemos muito bem os nematocistos, pois são eles os responsáveis pelas temidas queimaduras (intoxicação na verdade) que sofremos quando encostamos em águas-vivas, caravelas e outros cnidários (esses animais não nos atacam, nós que nos esbarramos neles). Muitas perguntas surgem quando encontramos estruturas que tecnicamente seriam exclusivas de um grupo em um outro, nesse caso, organelas de cnidários em esponjas. Como essas esponjas adquiriram esses nematocistos, como elas mantém essas estruturas vivas, qual a utilidade disso?

A pergunta mais fácil de responder é para que serviria obter e manter os nematocistos… para defesa… mas se defender de quê? De predadores claro… tem animais e outros organismos que se alimentam de esponjas (acredite em mim)… e, geralmente as esponjas não possuem mecanismos de defesa… a estrutura do corpo da esponja, mesmo que formada de espículas (estruturas de calcário ou sílica com diversos formatos), essas estruturas servem mais para mantê-la estruturada do que para defende-la… algumas esponjas também podem produzir ou utilizar substâncias químicas de bactérias e outros simbiontes para se defender… logo as esponjas não possuiriam uma grande habilidade de defesa… o que não é o caso de Haliclona cnidata.

Nos resta saber, por hora, como essa esponja adquire os nematocistos e como ela os mantém vivos (ativos)… esse é um outro objetivo dos pesquisadores no artigo… obviamente que eu falo sobre como a esponja adquire, pois ela não produz… essa organela em particular é exclusiva dos cnidários e considerada a sinapomorfia do grupo (a característica que tem apenas nesse grupo e que os une)… e, existem alguns exemplos que animais que ‘roubam’ os nematocistos através da alimentação (‘Kleptocnidism’ – cleptocnidismo, tradução minha) e os utilizam para sua defesa como por exemplo ctenóforos, moluscos e platelmintos.

Figura 2 – Imagens dos nematocistos presentes em Haliclona cnidata. Chamo atenção para: A – nematocistos evidentes na estrutura da esponja; D – nematocistos disparados no meso-hilo (camada mediana da ‘parede’ corpórea das esponjas formada por substancias gelatinosas e alguns tipos celulares); K e L – nematocisto encapsulado e disparado, respectivamente. [1]
Para descobrir como essa nova esponja adquire os nematocistos, os pesquisadores fizeram uma série de experimentos, cultivando conjuntos de células das esponjas de forma controlada, com oferta de nematocistos externos e na completa ausência de nematocistos externos. Nos dois tipos de experimento, o número de nematocistos aumentou, porém, no experimento sem oferta de nematocistos, o acréscimo foi maior com o tempo. Isso gera mais perguntas que respostas, pois como o número de nematocistos poderia aumentar quando não há oferta dessas estruturas no meio? Os autores hipotetizam que as esponjas adquirem o nematocisto ainda imaturo e os ‘cultivam’ e de alguma forma conseguem oferecer ambiente para que eles se multipliquem… dentre as formas em que as esponjas estariam utilizando para adquirir a forma imatura dos nematocistos, os autores mencionam, também hipoteticamente, a partir da filtração (forma de captura de alimento nas esponjas) do muco de corais ou de larvas de cnidários.

A qual cnidário pertencem os nematocistos encontrados nessa esponja ainda é um mistério para os autores, que os compararam com os das espécies que habitam o mesmo aquário que a esponja e não encontraram uma correspondência. Porém, apesar de ainda existirem perguntas sem resposta (isso é ciência), essa habilidade da esponja em ‘roubar’ nematocistos e utiliza-los em sua defesa é simplesmente espetacular (de cair o queixo) e, de certo modo mostra quão profundas podem ser as interações entre os diferentes grupos de organismos.

[1] J Schellenberg et al. The Precursor Hypothesis of Sponge Kleptocnidism: Development of Nematocysts in Haliclona cnidata sp. nov. (Porifera, Demospongiae, Haplosclerida). Front Mar Sci 10.3389/fmars.2018.00509 (2019).

Como citar este artigo: Luana Mendonça. Nova espécie de esponja-do-mar (Porifera) ‘rouba’ células de defesa dos cnidários! Saense. http://saense.com.br/2019/02/nova-especie-de-esponja-do-mar-porifera-rouba-celulas-de-defesa-dos-cnidarios/. Publicado em 19 de fevereiro (2019).

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