UFMG
17/06/2019
Espaço de compartilhamento de informações, de interação de sujeitos com comunidades e de performance individual, as redes digitais são palco privilegiado da sociabilidade contemporânea. Mas, no contexto brasileiro, em que não há uma consolidada política de democratização do acesso aos meios de comunicação e é evidente a assimetria de oferta de serviços básicos, as transformações decorrentes da chegada tardia da internet em regiões marginalizadas do país causam forte impacto no cotidiano dessas comunidades.
Sob a perspectiva interseccional, ou seja, que contempla sistemas relacionados de dominação ou discriminação, a tese da pesquisadora Tamires Coêlho, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Comunicação, buscou compreender e analisar a exposição e os relatos elaborados por sertanejas do Piauí no Facebook, por meio da análise da escrita de si, feita por mulheres que vivem na região do município de Guaribas, no Sudoeste do estado.
Às informações coletadas dos perfis dessas mulheres somam-se outras apuradas em entrevistas com as sertanejas, durante três visitas à cidade, em 2014, 2015 e 2017. Além das desigualdades de gênero descritas pelas mulheres em seus relatos on-line, a pesquisa também evidenciou peculiaridades do cotidiano no sertão piauiense e seu reflexo na escrita numa rede social de amplo alcance como o Facebook. Também demonstrou o impacto da chegada abrupta de diversos meios de comunicação, graças à expansão da distribuição da energia elétrica, no período em que o projeto da tese foi iniciado, entre 2011 e 2013. Para a análise do material reunido, foram empregadas a netnografia, a teoria fundamentada e a análise tecnodiscursiva.
Para a pesquisadora, nascida em Pernambuco e descendente de famílias do sertão do Piauí, a escolha do lugar está relacionada a aspectos biográficos e, numa perspectiva política, faz parte da tese desde a sua idealização. “Pensar fenômenos e sujeitos comunicantes no sertão do Nordeste brasileiro parte de ausências (de dados e de pesquisas anteriores acerca do acesso a novas tecnologias e redes sociais) e das dificuldades em pesquisar essa região em termos logísticos”, afirma. Segundo ela, foi a partir daí que aproveitou a inserção em um programa de pós-graduação do Sudeste para conciliar dois interesses que a mobilizavam para ajudar a diminuir essas ausências: as relações de gênero e os fenômenos comunicacionais no Sertão.
Alternativa
A tese faz uma proposição alternativa ao conceito de autonomia, partindo de uma relação entre capacidades, escolhas, possibilidades e habilidades. Também envolve os afetos, a ressignificação de vulnerabilidades e o reconhecimento do lugar de fala das mulheres guaribanas em escritas marcadas por atravessamentos de poder. “Existir digitalmente já nos direciona para movimentos de autonomia e resistência ligados ao falar de si (narrar-se), exprimir desejos, interagir e se autorrepresentar. Não se trata apenas de uma questão de aparecer na rede da mesma forma como todo mundo aparece, mas também de a rede social se configurar como símbolo das possibilidades de as sertanejas se configurarem como interlocutoras”, afirma Tamires.
A pesquisa também destaca aspectos que ultrapassam o estigma da dominação, das violências que permeiam o cotidiano, dos estereótipos e dos enquadramentos institucionais. Opressões de gênero se expandem ao se relacionarem, entre outros elementos, com um padrão de beleza socialmente construído, com características raciais, com problemas de origem patriarcal que atingem mulheres de diferentes classes e com contextos rurais e religiosos. “Da relação entre autonomia e escrita de si não resulta um processo de resistência e consciência permanente sobre as opressões, mas essa relação faz nascer nas mulheres um conhecimento de si mesmas e de novas competências, na seleção do que é acionado ou não em sua autorrepresentação”, diz a pesquisadora Tamires Coêlho.
Tese: Sertanejas conectadas: autonomia e escrita de si de mulheres do sertão do Piauí no Facebook
Autora: Tamires Ferreira Coêlho
Orientadora: Ângela Cristina Salgueiro Marques
Defesa: 2018, no Programa de Pós-graduação em Comunicação. [1]
[1] Esta notícia científica foi escrita por Renata Valentim.
Como citar esta notícia científica: UFMG. Sertanejas conectadas. Texto de Renata Valentim. Saense. https://saense.com.br/2019/06/sertanejas-conectadas/. Publicado em 17 de junho (2019).