Jornal UFG
02/04/2020
Sílvia Zanolla*
Diante da pandemia mundial e do cenário de incertezas que se propaga por todos os continentes, a realidade se impõe rasgando o véu de velhas ilusões relativas ao potencial humano de controle sobre a vida. Mas essa catarse constatada, não deixa de apresentar sua cota de beleza frente ao trágico. No sentido psicanalítico isso demonstra dramaticamente o que Freud advertiu no século passado: “não somos senhores de nossa própria casa”. Aqui o sentido de “casa” extrapola a figura da mente, vai além do próprio inconsciente, abarca nosso corpo, ideias, ações e o próprio planeta, entendido como moradia vital. Enquanto de quarentena, a sensação é que foi imposta uma reflexão tardia: ou refletimos, ou, refletimos, redundante assim, sem outra opção, diga-se de passagem, uma bela imposição.
É evidente que não seremos os mesmos depois desta experiência. O mundo não será o mesmo, sua organização social, interações, modo de trabalho, saúde, educação, cultura, economia e política. É o que se espera, que o sacrifício de tantos que perderam sua vida não seja em vão e que possamos aprender de modo resiliente com tudo isso. E a universidade, como instituição do saber é emblemática nesse sentido.
Nos últimos tempos, a universidade vem sofrendo toda sorte de ataques por parte de setores políticos conservadores que tentam a qualquer custo desqualificá-la impondo ideologias do senso comum. Questionam seu valor científico, relevância social, custos, utilidade prática e teórica. Como se esta instituição materializasse um peso social, um investimento desnecessário e fútil, manifesto no ódio e desprezo ao representante máximo de sua estrutura, o professor doutor. Nunca antes se viu stablishment tão ávido por descartar e menosprezar títulos acadêmicos como o atual. Mas essa atitude, sem grande importância real, apenas indica o escárnio pelo conhecimento e suas ações afins como a pesquisa, o estudo científico consistente e a formação sólida para o saber transformador. Claro, nada disso é aleatório. O conhecimento sempre foi impedimento de conquistas para dominadores que apostam na barbárie e na ignorância pelo poder. Basta lembrar dos métodos adotados por Hitler na Alemanha da Segunda Guerra Mundial.
A universidade, apesar de não ser ideal, com todas as suas contradições, representa a possibilidade máxima de saída da menoridade intelectual, em prol da humanização e da justiça social, queiram ou não os defensores da Terra Plana. Sim, para desgosto daqueles que apostam na ignorância popular como ganho politiqueiro, contraditoriamente, o cenário de desespero com essa pandemia força o descarte de fantasias contra a relevância social das universidades no mundo. Vejamos na prática qual é a instituição que está apoiando hospitais, laboratórios e profissionais da área da saúde. Neste exato momento, populações em desespero buscam esperança nas universidades. Esta instituição potencializa a preservação de gerações atuais e futuras a partir da produção científica. Agora é a hora de colocar os “pontos nos is”. Por mais que os cavaleiros apocalípticos do totalitarismo arreiem seu cavalo e mirem no esclarecimento, para sua decepção, só poderão cavalgar por uma terra plenamente redonda.
Silvia Rosa da Silva Zanolla – Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Violência, Infância, Diversidade e Arte (NEVIDA) e professora da graduação e da pós-graduação da Universidade Federal de Goiás/UFG.
[1] Imagem de Gerd Altmann por Pixabay.
Como citar este artigo: Jornal UFG. O mundo redondo da universidade. Texto de Sílvia Zanolla. Saense. https://saense.com.br/2020/04/o-mundo-redondo-da-universidade/. Publicado em 02 de abril (2020).