UFRGS
03/07/2020

No artigo, pesquisadores discutem a prática online da avaliação psicológica – Foto: Gustavo Diehl/UFRGS

O novo coronavírus impactou muitas atividades profissionais, que tentam se adaptar ao isolamento imposto pela pandemia – e essa realidade não é diferente com a Psicologia. Nesse sentido, pesquisadores da UFRGS e da Unisinos redigiram um artigo no qual discutem a viabilidade da prática e do ensino de avaliação psicológica online no Brasil e reúnem diversas orientações sobre o assunto. Essa atividade acontecia prioritariamente de forma presencial, de modo que há poucos registros e regulamentações para que psicólogos possam trabalhar a distância de maneira ética e segura.

Dentre todas as atribuições que um psicólogo pode exercer, a avaliação psicológica é uma das mais delicadas. A pesquisadora Aline Marasca, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS, que participou do estudo, esclarece que a atividade consiste em um processo sistemático de investigação de algum fenômeno psicológico e é realizada com base em teorias e técnicas. O procedimento pode ser feito, por exemplo, a pedido de uma escola, quando uma criança possui dificuldades no processo de alfabetização. “Nesse caso, um psicólogo pode realizar entrevistas com os pais, observações da criança e contato com a professora e, também, utilizar testes psicológicos. Essas ferramentas vão ajudar a avaliar funções cognitivas e aspectos emocionais que podem estar envolvidos na dificuldade relatada”, explica Aline. No final, o profissional emite um documento com os resultados da consulta, além de orientações que auxiliem na resolução da queixa.

Basicamente, a avaliação psicológica utiliza instrumentos que já foram estudados e têm eficácia e precisão dentro de certos parâmetros para alcançar um diagnóstico. O problema central analisado pelo artigo é que essa atividade é realizada presencialmente, ou seja, a simples transposição desses mesmos instrumentos para o ambiente virtual não funciona. A autora explica que faltam métodos adequados para esse novo espaço. Fatores como a menor capacidade de observação de comportamentos, interferências de outras pessoas e limitações na rede de internet podem tornar a avaliação inválida. Outro aspecto que pode prejudicar os resultados é a pouca familiaridade que o paciente e o profissional podem ter com o uso de tecnologias, o que pode causar fadiga excessiva e desconforto físico.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) permite que se conduza o processo psicológico na modalidade virtual desde 2018. Nesse sentido, desde antes da pandemia, o profissional precisava refletir sobre as características da pessoa que seria avaliada e a disponibilidade de recursos técnicos para aquele caso, antes de decidir atuar online — ou seja, dependendo do paciente, os instrumentos psicológicos poderiam não ser suficientemente precisos, e o processo, portanto, não seria viável. Aline esclarece que existem as avaliações compulsórias, em que a participação do avaliado não é voluntária, geralmente solicitadas pelo Poder Judiciário. Nesses casos, a pessoa avaliada pode não cooperar ou mesmo tentar alterar a percepção do psicólogo sobre sua real condição. “Dados de observação do comportamento muitas vezes são fundamentais para a compreensão de tais ocorrências, o que, na modalidade online, pode ficar prejudicado”, explica.

Agora, com o isolamento social, a pesquisadora conta que houve um aumento da demanda pela realização virtual de avaliações psicológicas, o que agravou a situação. Outra regulamentação foi feita pelo CFP em abril desse ano, ampliando as possibilidades de trabalho a distância. “A pandemia da covid-19 impulsionou a criação de diretrizes nesse sentido, mas não é apenas isso que restringe a realização de desse tipo de avaliação psicológica no Brasil. A principal limitação no momento é a falta de estudos de padronização e normatização de testes psicológicos específicos para a modalidade remota.” Nessa perspectiva, projetos de pesquisa são desenvolvidos para que os testes psicológicos sejam adequadamente adaptados para uso remoto, a fim de que seus resultados se tornem confiáveis.

O espaço virtual, o sigilo e a ética

No universo da Psicologia, existem duas questões com as quais é preciso ter cuidado: o sigilo entre paciente e psicólogo e o não acesso de leigos a técnicas da profissão. “Nosso código de ética diz que ‘o psicólogo não divulgará, ensinará, cederá, emprestará ou venderá a leigos instrumentos e técnicas psicológicas que permitam ou facilitem o exercício ilegal da profissão’. Então, tudo o que favorece e facilita a disseminação de material que é de uso privativo do psicólogo deve ser protegido”, conta a autora. Se na modalidade presencial a segurança da informação já é uma preocupação, no ambiente virtual é preciso lidar com o tema de forma ainda mais cuidadosa. Por isso, surge a necessidade do desenvolvimento de recursos específicos para uso nos processos online, como plataformas seguras para videochamadas e compartilhamento de documentos.

“Atualmente, não existe uma plataforma específica em que toda a avaliação psicológica possa ocorrer, por exemplo, que permita entrevistas online, aplicações de testes, devolução dos documentos psicológicos e outros procedimentos necessários para o trabalho”, esclarece Aline. O recomendado é utilizar aplicativos com criptografia de ponta a ponta – e o WhatsApp poderia ser um exemplo. Contudo, ela ressalta que esse aplicativo em específico se apresenta mais como um espaço de recreação do que de uso profissional, já que é muito utilizado para envio de conteúdos diversos, como fake news, piadas e memes . Em relação à não disseminação de conteúdos exclusivos da profissão, o estudo orienta que é preciso combinar com o paciente que não se pode gravar nada das sessões de avaliação realizadas a distância.

Assim como outras áreas profissionais, a Psicologia vem entrando no espaço virtual. Desse modo, a autora conta que avanços nesse campo são esperados para os próximos anos, demonstrando que a adaptação de práticas para o ambiente virtual não se dá só em função da pandemia.

Artigo guia a prática profissional de psicólogos

trabalho é uma realização do Grupo de Estudo, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica da UFRGS (Geapap), em parceria com o Laboratório de Estudos em Psicoterapia e Psicopatologia da Unisinos (LAEPsi). Ele foi publicado no começo de junho na revista Estudos de Psicologia, de Campinas (SP), e já foi eleito material recomendado para a prática profissional pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap), fato que impacta na atuação de psicólogos de todo o país, norteando as atividades online. Aline conta que “o artigo resume as orientações de órgãos nacionais e internacionais sobre a temática, além de dados de pesquisa, e visa a promover uma reflexão do profissional sobre as condições técnicas, éticas e de qualificação para que essa prática ocorra da melhor forma possível”.

A autora destaca que o Geapap considera fundamental que os psicólogos de todo o país tenham acesso ao que é produzido na Universidade. Além do estudo, o grupo lançou um e-book em um seminário virtual, que trata de boas práticas para a condução de processos de avaliação psicológica online. O material pode ser baixado gratuitamente por psicólogos e estudantes de graduação.

Artigo

MARASCA, Aline et al. Avaliação psicológica online: considerações a partir da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) para a prática e o ensino no contexto a distância. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 37, 2020. [1]

[1] Texto de Thiago Sória.

Como citar esta notícia: UFRGS. Psicologia em atualização. Texto de Thiago Sória. Saense. https://saense.com.br/2020/07/psicologia-em-atualizacao/. Publicado em 03 de julho (2020).

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