Jornal da USP
10/11/2020

O mar é grande, as ameaças são muitas e os recursos são poucos. Consequentemente, a capacidade de priorizar investimentos é essencial. Pensando nisso, pesquisadores acabam de divulgar um novo mapa de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade marinha no Brasil.
Publicado no início deste mês, na revista Diversity and Distributions, o trabalho se apresenta como o mapeamento mais detalhado já feito sobre a distribuição de ameaças à biodiversidade marinha no Brasil. Levando em conta a distribuição de 143 espécies ameaçadas, 161 habitats marinhos e 24 fatores de impacto relacionados a atividades humanas (como pesca e poluição), os pesquisadores identificam 286 mil quilômetros quadrados (km2) de áreas prioritárias para conservação dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do mar brasileiro.
Isso corresponde a uma área do tamanho do Rio Grande do Sul; o que parece muito, mas representa menos de 8% da extensão total da ZEE. Dentro dessa seleção, destaca-se ainda um subgrupo de 83 mil km2 (ou 2,3% da ZEE) de áreas consideradas como “prioridade máxima” para conservação, localizadas principalmente na região Sudeste e no sul da Bahia, onde a sobreposição de fatores de risco e biodiversidade são especialmente preocupantes.
Cartografia da conservação
Mapeamento indica quais são as áreas prioritárias para proteção da biodiversidade marinha no Brasil

As áreas classificadas como prioritárias incluem desde ecossistemas já bastante impactados por atividades humanas — que necessitam de proteção imediata para não entrar em colapso — até ambientes relativamente intactos, mas que ainda carecem de proteção integral para garantir sua preservação a longo prazo.
As principais ameaças mapeadas pelo estudo foram pesca industrial, mudanças climáticas, desenvolvimento costeiro, poluição de origem portuária, navegação comercial, poluição de origem continental, espécies invasoras, mineração oceânica e exploração de gás e petróleo. No caso da pesca, foi feita uma diferenciação entre os diferentes métodos pesqueiros — por exemplo, pesca de arrasto versus espinhel pelágico —, já que cada método tem um impacto diferente no ecossistema.
A avaliação contemplou também uma grande diversidade de habitats marinhos, tanto bentônicos (relacionados ao leito oceânico) quanto pelágicos (relacionados à coluna d’água), em diferentes profundidades e distâncias da costa. Também levou em conta a conectividade ecológica entre esses ambientes e a maneira como cada habitat e cada espécie ameaçada é impactada (ou não) por cada uma dessas atividades humanas avaliadas — o que não é de praxe nesse tipo de análise.
“Acho que é o temos de melhor atualmente para o planejamento de conservação marinha”, diz o autor principal do estudo, Rafael Magris, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O mapa oficial de áreas prioritárias marinhas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), publicado em 2007 e atualizado em 2018, é baseado numa metodologia semelhante, mas que não leva em conta vários dos critérios contemplados nesse novo estudo, como a conectividade ecológica e o impacto cumulativo de diferentes atividades sobre diferentes habitats, segundo o pesquisador Ronaldo Francini Filho, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP.
“Esses resultados permitem aumentar a proteção de espécies ameaçadas e habitats críticos de uma forma ótima, maximizando os benefícios com a proteção da menor área possível”, avalia Francini Filho. Ele é co-autor do trabalho, ao lado do professor Paulo Sumida, do Instituto de Oceanografia da USP, e outros oito pesquisadores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Austrália.

O Brasil recentemente aumentou sua cobertura de áreas protegidas marinhas na ZEE de 1,5% para 25%, graças à criação de duas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) gigantescas em alto-mar, no entorno dos arquipélagos de São Pedro e São Paulo, e Trindade e Martin Vaz. Muitos ecossistemas da plataforma continental e de águas mais rasas, no entanto, permanecem desprotegidos. Considerando-se apenas as áreas de proteção integral (“no take”, em inglês), fechadas à pesca e outras atividades impactantes, a cobertura ainda é de apenas 2,5%.
Há várias propostas de criação de áreas protegidas marinhas em análise no Ministério do Meio Ambiente, que tem como meta a ampliação dessa cobertura de proteção integral para além de 10% nos próximos 15 anos. Segundo os pesquisadores, é essencial que esse processo seja guiado por critérios técnicos — como os preconizados pelo planejamento sistemático de conservação —, e não apenas pelo oportunismo político ou por interesses particulares.
“Não adianta preservar uma área apenas por conveniência, mas é preciso saber se a preservação de uma determinada área será efetiva para a preservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos que essa biodiversidade presta para a manutenção da vida no planeta”, afirma Sumida, do IO. “O blueprint apresentado nesse estudo leva em consideração isso. É claro que os interesses da sociedade também são legítimos, mas é necessário um balanço entre essas necessidades.”
“Esse tipo de abordagem é essencial para a efetividade dos objetivos das áreas de conservação”, diz o professor Antonio Carlos Marques, do Instituto de Biociências da USP, especialista em biologia e conservação marinha, que não participou do estudo. “A criação de áreas protegidas deve ter grande fundamentação científica, levando em conta também as realidades socioeconômicas das regiões em questão. É importante que o estado brasileiro reconheça essas contribuições e volte a ser um protagonista na área de conservação ambiental, inclusive a marinha.” [1]
[1] Texto de Herton Escobar.
Como citar esta notícia: Jornal da USP. Um novo mapa para a conservação marinha no Brasil. Texto de Herton Escobar. Saense. https://saense.com.br/2020/11/um-novo-mapa-para-a-conservacao-marinha-no-brasil/. Publicado em 10 de novembro (2020).