Jornal da USP
31/12/2020
Por Alicia J. Kowaltowski, professora do Instituto de Química da USP
Cientistas são formados para serem resilientes, porque tentar entender coisas completamente novas, na fronteira do conhecimento, significa que não sabemos ao certo como estudá-las, e precisamos errar e persistir muito antes de descobrir esses novos caminhos e adquirir os conhecimentos aos quais aspiramos. Nunca antes nossa resiliência e capacidade de aprender e se reinventar foram testadas como em 2020. Como exemplo, a USP não parou as aulas no primeiro semestre – decidiu em março que as aulas teóricas da semana seguinte seguiriam a distância. E os docentes da USP fizeram exatamente isso, se reinventando num final de semana, trocando técnicas e ideias entre si, e reelaborando currículos desenvolvidos durante anos em apenas alguns dias.
Não foi fácil, e nem é perfeito; quero muito voltar a dar aulas interagindo e vendo as expressões dos estudantes, pois a qualidade é inegavelmente maior. Porém, no momento é o que podemos fazer, e eu acredito que fizemos bem. Nunca imaginaria que 2020 seria o ano que eu viraria youtuber, mas agora no final do segundo semestre vejo que há algumas vantagens de ser forçada a sair da zona de conforto, porque as minhas aulas on-line agora também podem ajudar estudantes fora da minha sala de aula.
Nos nossos laboratórios, tivemos que nos reinventar completamente. No meu laboratório, passamos meses sem acesso às instalações que são essenciais para o desenvolvimento dos trabalhos de tese dos estudantes, e eles tiveram que repensar seus dados e área de atuação enquanto em casa. Acho que com isso irão, daqui em diante, valorizar muito mais o acesso às incríveis instalações que temos, e também se planejarem para usar essas instalações de maneira a ter melhor aproveitamento do seu tempo lá. Também passamos a valorizar mais os técnicos que fazem serviços essenciais de laboratório, e que nunca puderam parar durante a quarentena, como os técnicos de biotérios e serviços de manutenção de insumos congelados e equipamentos.
Vimos com a pandemia um aumento enorme de interesse da população em geral pela ciência e pela atividade e trabalho de cientistas. Isso é maravilhoso! Comunicadores científicos viraram celebridades, o Jornal da USP ganhou muito mais visibilidade, e nunca antes a profissão foi tão visível e valorizada. Embora tenham problemas com políticos (sempre eles!) tentando retirar fundos essenciais para a ciência por debaixo dos nossos narizes, acredito que a parte da batalha liderada por cientistas engajados e conectados para reverter essa atrocidade foi ganha porque ser contra a ciência e os cientistas se tornou socialmente inaceitável em 2020.
Ainda temos batalhas a vencer nesse sentido, e é bom saber que mesmo sem estarmos fisicamente juntos, como cientistas não estamos em uma profissão na qual queremos o insucesso dos colegas. O que queremos é o sucesso da ciência e aquisição de conhecimento, e somos capazes de nos unir em uma frente única em prol disso. Para 2021, espero que se consolidem o respeito à ciência e a valorização da nossa profissão. Espero que vejamos menor sofrimento pela doença no Brasil. E, acima de tudo, nunca mais deixarei de valorizar quão preciosas são a presença e a convivência diária com os fantásticos cientistas com quem trabalho.
Como citar este artigo: Jornal da USP. 2020: um teste de resiliência e um ano de reinvenção. Texto de Alicia J. Kowaltowski. Saense. https://saense.com.br/2020/12/2020-um-teste-de-resiliencia-e-um-ano-de-reinvencao/. Publicado em 31 de dezembro (2020).