UFRGS
16/04/2021

(Foto: Divulgação/Equipe de pesquisadores)

Pesquisadores, no mundo todo, buscam conhecimento e soluções para questões relacionadas ao aquecimento global e aos problemas ambientais. Um dos focos de atuação de redes internacionais de cientistas é o estudo dos diferentes tipos de formações florestais e seu papel na fixação do dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Por serem capazes de armazenar quantidades significativas de biomassa, as florestas são um componente importante do ciclo de carbono, pois as plantas absorvem CO2. Porém a contribuição de cada tipo de formação nesse processo é variável. Na UFRGS, a doutoranda Kauane Maiara Bordin, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, voltou-se ao estudo das florestas subtropicais do Sul do Brasil para quantificar a biomassa nelas estocada e avaliar quais os fatores que estão relacionados a esses estoques. Os primeiros resultados desse trabalho foram publicados em março de 2020 em artigo na revista Forest Ecology and Management (Climate and large-sized trees, but not diversity, drive above-ground biomass in subtropical forests), mostrando que os principais fatores relacionados ao estoque de biomassa nessas florestas são o clima e a proporção de árvores grandes. A biomassa é uma medida de estrutura da floresta, muito relacionada à estocagem de carbono nas árvores. Sua quantificação é obtida a partir de uma equação que combina a altura, o diâmetro e a densidade da madeira das árvores.

O clima, caracterizado por variações anuais na temperatura, afeta negativamente a estocagem de biomassa, enquanto que a alta proporção de árvores de grande porte influencia positivamente, ou seja, florestas maduras, que possuem árvores grandes, são responsáveis por estocar quantias maiores de biomassa. O estudo indica que essas florestas estão desempenhando um papel fundamental na persistência de longo prazo do armazenamento de carbono, uma vez que as árvores grandes respondem por 64% da biomassa total armazenada nas florestas pesquisadas. Já a variação anual de temperatura teve um efeito negativo, indicando que os locais que têm muita amplitude térmica tendem a acumular menos carbono ao longo dos anos. Os achados são importantes porque evidenciam que a conservação dessas áreas –, já que permite que as árvores atinjam tamanhos grandes – é fundamental para a manutenção da estocagem de carbono. Em relação à influência da variável climática, Kauane explica que: “Esse efeito nos acendeu uma luz, porque as mudanças climáticas podem fazer com que, no futuro, ocorram eventos extremos de frio e calor, impactando negativamente os estoques de biomassa e o ciclo do carbono de modo geral”. As variáveis estudadas estão demonstradas na figura abaixo, em que as setas indicam as relações que foram testadas. Setas de resultados com tons de vermelho indicam relações negativas; e setas com tons de verde, relações positivas. As setas de tom mais claro indicam as variáveis que não demonstraram efeito sobre os estoques de biomassa: conteúdo de argila no solo (quanto mais argila, mais água fica retida no solo); conteúdo de nitrogênio das folhas (um elemento químico importante para a fotossíntese); diversidade funcional (características das plantas, como a variedade de tamanhos de folhas).

A professora e orientadora do trabalho Sandra Cristina Müller, coordenadora do Laboratório de Ecologia Vegetal da UFRGS (Leveg), onde Kauane desenvolve a pesquisa, destaca que a grande novidade do estudo é que a relação entre o porte das árvores e a capacidade de estocar carbono ainda não era conhecida para a região Sul do Brasil. “Temos muitos estudos que falam da região da Amazônia, das regiões temperadas da Europa, dos Estados Unidos, de áreas subtropicais na China, mas aqui para o Sul da América do Sul, que compreende essa grande área subtropical de florestas, não tínhamos ainda nenhuma publicação que relatasse esse padrão”, afirma Sandra. Ela explica também que em outras regiões “se percebe a influência de outros fatores, mas aqui o determinante foi de fato essa quantidade de árvores grandes que a floresta tem”. A coordenadora ainda chama a atenção para o fato de que essas áreas poderiam ter uma capacidade muito maior de estocagem de biomassa: “Toda essa região sofreu cortes seletivos na maior parte das florestas, e esse corte focou árvores grandes, de interesse madeireiro. Então a capacidade de estocar carbono, mantendo assim uma relação melhor do clima, é muito maior para a região do que aquela que encontramos, porque no passado certamente havia mais árvores grandes nessas florestas”. As pesquisadoras frisam que a maior parte dos 119 sítios estudados está dentro de unidades de conservação e enfatizam no artigo a necessidade de manter essas áreas para que se consiga ter florestas maduras. Segundo Sandra, muitos desses locais são apenas fragmentos, “pequenas manchas”, dentro de toda a área que antes era coberta por florestas. “Nossa amostra é uma amostra do que nós temos hoje e deixa bem claro o grande potencial que nós teríamos para essa região toda; de ter mais estoque de carbono se houvesse programas mais abrangentes de restauração florestal”, afirma.

Colaboração em rede

Kauane dedica-se ao estudo de florestas desde a graduação em Ciências Biológicas na Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), onde, como bolsista de Iniciação Científica, em 2014, fez identificação e medição das árvores da Floresta Nacional de Chapecó. No mestrado, já no PPG em Ecologia da UFRGS, a pesquisadora voltou a Chapecó para fazer nova medição, acompanhando as mudanças na área ao longo do tempo. No doutorado, com o objetivo de expandir seus estudos para mais áreas florestais, ela analisou outras florestas das parcelas permanentes do Leveg e contou com uma rede de cientistas de instituições parceiras e do próprio laboratório, que, inclusive, são coautores do artigo. Dessa forma, foi possível caracterizar 119 sítios de florestas subtropicais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina em termos de estoque de biomassa e chegar aos resultados apresentados no artigo.

A formação da rede de cientistas é um fator destacado também pela orientadora Sandra como fundamental para uma pesquisa deste porte: “o trabalho da Kauane conseguiu compilar diferentes estudos, e isso é outra coisa extremamente relevante, porque saímos do nosso núcleo e fomos atrás de outros pesquisadores que trabalham aqui na região, que têm dados tanto de Santa Catarina como do Rio Grande do Sul e fizemos um grande compilado para ter esse padrão mais regional”.

Outro importante apoio para a pesquisa foi o financiamento da Rufford Foundation, instituição britânica que financia pesquisas de conservação da natureza em países em desenvolvimento, à qual Kauane submeteu seu projeto, que foi contemplado com 5 mil libras, investidas no trabalho de campo. O estudo tem financiamento também do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs).

Continuidade da pesquisa

A obtenção do financiamento da Rufford Foundation permite também a realização de outros estudos no Leveg, pois as informações coletadas integram a base de dados e contribuem para a manutenção das parcelas permanentes do laboratório. “Foi muito positivo obter o recurso também para manter esses levantamentos de longo prazo que são importantes para a gente conseguir avaliar as florestas ao longo do tempo”, destaca Kauane, cuja pesquisa terá prosseguimento com a avaliação da mudança temporal dessas áreas. A partir dos dados de levantamento realizado há cinco anos em algumas regiões que foram visitadas novamente nos anos seguintes para nova medição das árvores, será possível analisar como essas florestas estão se comportando com o passar do tempo, o quanto as árvores estão crescendo, qual é a taxa de mortalidade, permitindo fazer uma avaliação temporal.

Sandra considera fundamental a realização desses estudos temporais: “Com isso, o laboratório acaba se colocando no mundo. Fazemos parte de uma rede internacional – o ForestPlots – de pesquisadores que trabalham com florestas, então podemos comparar o que está acontecendo aqui com o que está acontecendo com florestas em outras partes do Brasil e do mundo”. Essa possibilidade é comemorada também por Kauane: “Para a Amazônia, essas redes de colaboração vêm acontecendo há mais de 30 anos, e, no Sul do Brasil, nós estamos avançando pouco a pouco nisso. Daqui a uns 15 anos, seremos referência de como as florestas do Sul do Brasil estão se comportando ao longo do tempo”, projeta, enquanto aguarda a possibilidade de embarcar para o período sanduíche do seu doutorado na Inglaterra. Devido à pandemia de covid-19, os estudos no Birmingham Institute of Forest Research, na Universidade de Birmingham, foram adiados para setembro. Lá, a doutoranda trabalhará com a orientação da pesquisadora Adriane Esquivel Muelbert, segunda autora do artigo, integrante da equipe do projeto TreeMort. No âmbito desse projeto, que busca compreender padrões globais de mortalidade de árvores, Kauane usará dados de florestas do mundo todo para entender as relações entre as taxas vitais de espécies (como crescimento e mortalidade) e os atributos funcionais das plantas. [1]

[1] Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima.

Como citar esta notícia: UFRGS. Grandes árvores das florestas subtropicais no Sul do Brasil são importante recurso para a estocagem do carbono. Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima. Saense. https://saense.com.br/2021/04/grandes-arvores-das-florestas-subtropicais-no-sul-do-brasil-sao-importante-recurso-para-a-estocagem-do-carbono/. Publicado em 16 de abril (2021).

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