Jornal UFG
13/05/2021
Guilherme de Andrade Santos*
Emma Maria Areback nasceu em Gothenburg, na Suécia, enquanto Isaura Sara Urdaneta Xavier nasceu em Maracaibo, no Estado Zulia, na Venezuela. Apesar da distância, as jovens têm algo em comum, suas jornadas ao Brasil. Emma decidiu visitar o país pela primeira vez para complementar seus estudos em capoeira. Isaura veio ainda criança com sua família para conhecer seus parentes brasileiros. Apesar do destino em comum, suas trajetórias até o Brasil mostram suas diferenças.
Emma, ainda adolescente, decide por si só vir para o Brasil e, após seis meses de trabalho intercalando com os estudos, e com a ajuda dos pais, chega até o país. Isaura, ainda criança, deixa a Venezuela seguindo sua família, e indo de cidade em cidade, após mais de um ano de viagem, chegam ao seu destino.
Quando pensamos na jornada e nas dificuldades que muitos venezuelanos e venezuelanas têm enfrentado para chegar e ultrapassar as fronteiras de seu vizinho, nos perguntamos o porquê do Brasil se fazer mais acessível para uns do que para outros. Seria isso fruto de imposições históricas de um passado colonialista e imperialista, ou diferenças naturalmente formadas que se consolidaram ao longo dos anos? Independente de qual seja a razão, a receptividade brasileira parece depender do tipo de passaporte do imigrante.
A entrada de um imigrante europeu nas fronteiras brasileiras é sempre celebrada como engrandecimento da nação, se exaltam logo as riquezas que viriam do intercâmbio cultural. Já a entrada de nossos vizinhos latino-americanos desperta reação diferente, sendo a primeira, a preocupação com os “riscos da migração”. Se fala muito na tomada de empregos, no aumento da criminalidade e na sobrecarga dos sistemas públicos de serviço. Não se pensa, porém, que essas pessoas trabalhariam aqui e, como qualquer outra, pagariam seus impostos e enriqueceriam o Brasil. Seja um brasileiro, um argentino ou um francês, seu trabalho e sua cultura apenas enriquecem um país e seu povo.
O brasileiro que adota o inglês como segunda língua, acompanha a cotação da moeda estadunidense e replica canções, filmes e espetáculos anglófonos se surpreende ao chegar na Flórida e ser chamado, em tom de ofensa, de latino. “Latino, eu? Mas meu sotaque é tão discreto”, a constatação de um fato vindo da grande potência estadunidense soa como ataque.
A exaltação de um modelo cultural imposto num processo colonial ou imperial pressupõe o apagamento e inferiorização de outra cultura. O não reconhecimento dos brasileiros como Latinos é parte desse processo de invisibilização de culturas oprimidas historicamente. O oprimido busca o estilo de vida do opressor e acaba se esquecendo de seus pares.
Enquanto não enxergarmos os ataques que a América Latina sofre enquanto ataques direcionados, também, ao povo brasileiro estamos fadados a reproduzir uma estrutura de opressão alheia. Enquanto a solidariedade brasileira com as vidas europeias for maior que aquela destinada aos irmãos latinos, a imigração destes para o Brasil ainda será vista como o “problema” da imigração . Que a migração dos países vizinhos para o Brasil seja aceita como riqueza, e se inicie aí a construção da identidade do povo latino-americano forte e unido.
*Guilherme de Andrade Santos, aluno de jornalismo na UFG e estagiário da Cátedra Sérgio Vieira de Melo – UFG
[1] Imagem de Sarah Passos por Pixabay.
Como citar este artigo: Jornal UFG. O valor de um passaporte. Texto de Guilherme de Andrade Santos. Saense. https://saense.com.br/2021/05/o-valor-de-um-passaporte/. Publicado em 13 de maio (2021).