UFRGS
05/11/2021
O mapeamento de distribuição geográfica de animais conta com diversos desafios, mas entender quantos indivíduos de certa espécie existem e onde eles se encontram possibilita aprofundar o conhecimento sobre animais que podem estar em perigo de extinção. Com essa curiosidade em mente, durante o doutorado no Laboratório de Biologia de Populações do Programa de Pós-graduação em Ecologia da UFRGS, a pesquisadora Viviane Zulian reuniu dados coletados em campo por pesquisadores e registros de plataformas de ciência cidadã para obter informações mais apuradas sobre a distribuição de quatro espécies de papagaios: Amazona vinacea (também conhecido como papagaio-de-peito-roxo), Amazona brasiliensis (papagaio-de-cara-roxa), Amazona pretrei (papagaio-charão) e Amazona rhodocorytha (papagaio-chauá). Um dos resultados encontrados por Viviane é que o mapa de distribuição do papagaio-de-peito-roxo é maior do que o utilizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Desde que estava na graduação na Unochapecó, Viviane já participava de pesquisas de campo para entender o tamanho populacional dos papagaios. Mas foi durante o doutorado na UFRGS que ela e o orientador, Gonçalo Ferraz, que coordena o Laboratório de Biologia de Populações, resolveram aproveitar as informações disponíveis nas plataformas de ciência cidadã para construir mapas de distribuição mais abrangentes que complementaria os dados obtidos pelas pesquisas de campo do laboratório. Dessa forma, seria possível mostrar não somente onde os papagaios foram vistos, mas também onde provavelmente eles estão, dificuldade normalmente encontrada nesse tipo de mapeamento. “Pensamos: como poderíamos utilizar dados secundários, não aqueles coletados por nós, para melhorar o mapeamento de distribuição da espécie? Porque já era óbvio que tinha muita incerteza e que precisávamos melhorar esse mapa”, explica Viviane. O estudo foi realizado em parceria com o pesquisador David Miller, da Pennsylvania State University (EUA).
Ciência cidadã: integrando pesquisadores e sociedade
De acordo com o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr), as iniciativas de ciência cidadã contribuem para que a população colabore com os pesquisadores para aprimorar a produção científica. Um exemplo comum é a parceria com voluntários, que coletam dados que podem ser utilizados por cientistas. E é justamente isso que contribuiu para a riqueza de detalhes nos mapas produzidos por Viviane: as plataformas utilizadas permitem que observadores registrem a presença de aves nos sites e/ou aplicativos, ajudando a construir uma nova base de dados. Geralmente, as informações registradas são de várias espécies, o que também auxilia no mapeamento de distribuição, conforme afirma Gonçalo: “Se formos olhar onde outras espécies – não aquela que estamos querendo mapear – foram vistas, também conseguimos ter uma ideia de onde as pessoas foram e não viram a espécie que estamos procurando.”
No estudo sobre o papagaio-de-peito-roxo foram utilizados registros de observações realizadas no campo entre 2016 e 2017, em que os pesquisadores foram até os dormitórios dos papagaios para contar o número de indivíduos presentes. Para complementar essa informação, foram utilizados dados de plataformas de ciência cidadã, como a WikiAves, na qual o observador pode fazer o upload de uma fotografia ou som da espécie e especificar o município em que o indivíduo foi encontrado. Por ser um site brasileiro, essa é a base de dados com mais registros das espécies que foram foco da pesquisa.
Também foi utilizado o Xeno-canto, base internacional que possibilita o envio de sons das aves, e a coordenada geográfica de onde cada áudio foi gravado. Por último, foi utilizada a plataforma eBird, que também é internacional, cujo principal diferencial é que o observador informa listas de espécies encontradas em trajeto percorrido, com a respectiva coordenada geográfica. Esse upload de listas permite, por exemplo, que os pesquisadores analisem onde a pessoa esteve e em que locais não encontrou determinada espécie.
Gonçalo ressalta ainda que cada plataforma tem as suas peculiaridades e suas limitações, mas que, juntas, elas oferecem dados que, quando reunidos, apresentam uma estimativa muito mais precisa. “Uma lição importante que tiramos desse trabalho é que a gente precisa ser pluralista no uso da informação da ciência cidadã.”
O estudo constatou que a área do mapa de distribuição do papagaio-de-peito-roxo é maior do que o reportado anteriormente pela UICN, na lista das espécies ameaçadas. Foi observado que existiam duas grandes áreas de ocorrência do papagaio-de-peito-roxo, diferente do que até agora vem sendo relatado pela organização, que indica cinco.
A forma mais tradicional de apresentar a distribuição geográfica de uma espécie é por meio de um mapa de presença, que mostra somente onde a espécie supostamente está e não está. Já os mapas construídos por Viviane e seus colaboradores apresentam maior riqueza de informação, como a probabilidade de a espécie de interesse estar presente em um determinado município e a indicação da incerteza associada a essa probabilidade (isto é, quais municípios podem ter a ocorrência dos papagaios, em quais a presença já é conhecida e em quais ainda é preciso investigar para ter certeza). “Isso é bem importante quando formos pensar em locais para procurar a espécie no futuro, porque se queremos saber exatamente até onde a distribuição da espécie vai, é nesses locais que temos que ir, onde tem incerteza sobre a distribuição”, destaca a pesquisadora.
Os resultados também indicam que sabe-se muito pouco sobre o estado da população do papagaio-chauá. O mapa resultante da análise dessa espécie também é diferente do reportado pela UICN e demonstra que a distribuição do animal também é bem mais ampla. “O papagaio-chauá é a espécie que mais precisa de estudos, porque a gente não tem nada sobre tamanho populacional, até porque se conhece muito pouco da distribuição, então não se sabe onde o bicho está”, esclarece a bióloga.
Para outros estudos que virão
Os resultados obtidos nos trabalhos do Laboratório de Biologia de Populações evidenciam que a contribuição da ciência cidadã para o avanço do conhecimento pode ser mais palpável e viável do que normalmente se imagina. Quando começou a analisar as bases de dados das plataformas de ciência cidadã, Viviane se surpreendeu com o alto número de registros: “Eu comecei com o papagaio-de-peito-roxo, e eu não achava que teria mais de mil registros nas 4 bases de dados. [Ter encontrado um alto número de registros] me deu muita motivação porque percebi que íamos conseguir fazer um trabalho muito legal, porque tem muitos dados disponíveis.”
De acordo com Gonçalo, no início da pesquisa as perguntas eram bem simples, o que causou certo espanto em alguns colegas pela simplicidade das questões, que eram “onde estão os papagaios?” e “quantos são?”, mas foi isso também que contribuiu para os resultados obtidos no estudo. “Eu acho que esse trabalho deixou uma experiência real de uma coisa que eu já suspeitava que era verdade, mas que eu não tinha sentido tão forte, que é o potencial que as perguntas simples têm para agregar pessoas.” De acordo com Gonçalo, quando os objetivos de trabalho são claros e convincentes, as pessoas se revelam e colaboram com muito mais convicção. “Isso lembra a gente de como é importante, no estudo científico, ter perguntas simples, porque isso acaba aproximando as pessoas”, complementa.
Artigos científicos
Zulian, V.; Miller, D.; Ferraz, G. Endemic and Threatened Amazona Parrots of the Atlantic Forest: An Overview of Their Geographic Range and Population Size. Diversity, 2021; https://doi.org/10.3390/d13090416.
Zulian, V.; Miller, D.; Ferraz, G. Integrating citizen-science and planned-survey data improves species distribution estimates. Diversity and Distributions, 2021; https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ddi.13416. [2]
[1] Foto: Foto: Divulgação/Grupo de Pesquisa.
[2] Texto de Geovana Benites.
Como citar esta notícia: UFRGS. Pesquisadores da UFRGS mapeiam distribuição de espécies ameaçadas integrando dados de pesquisa convencional e de ciência cidadã. Texto de Geovana Benites. Saense. https://saense.com.br/2021/11/pesquisadores-da-ufrgs-mapeiam-distribuicao-de-especies-ameacadas-integrando-dados-de-pesquisa-convencional-e-de-ciencia-cidada/. Publicado em 05 de novembro (2021).