Jornal da USP
22/12/2021
Vamos às reflexões dos fatos e números do agro em dezembro e a lista do que acompanhar em janeiro. Na economia mundial e brasileira novos casos de covid-19 e suas variantes voltaram a assombrar a economia global. Na Europa, medidas restritivas em diversas nações vêm sendo adotadas devido a novos picos de casos, evidenciados na Alemanha, França, Holanda e outros países do bloco. A retomada econômica pode ser prejudicada em 2022 a depender dos problemas com esta nova variante. Vale mencionar que os europeus foram mais negligentes quanto à vacinação que em nosso país.
Com isso, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revisou sua estimativa de crescimento global de 5,6% para 4,5% em 2022, e espera em 2023 evolução econômica de apenas 3,2%. Além do mais, precisaremos nos adaptar à inflação em patamares mais elevados, pois esta deve crescer de 3,5% em 2021 para 4,2% globalmente no próximo ano.
O Brasil também tem forte impacto inflacionário e o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou mais um aumento de 1,5 ponto porcentual na taxa Selic, a qual passa agora a 9,25%. O reajuste tenta controlar a inflação, a qual está projetada em 10,2% para o final deste ano e em 4,7% para 2022. Por sua vez, o crescimento do PIB brasileiro deve fechar o ano em 4,65% e encerrar 2022 em 0,5%, enquanto para o câmbio espera-se R$ 5,59 e R$ 5,55, respectivamente.
No agro mundial e brasileiro, o índice da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) bateu 134,4 pontos no mês de novembro, o que representa uma alta de 1,2% frente a outubro deste ano e de quase 30% em comparação a novembro de 2020. Os cereais puxaram o índice para cima, pois apresentaram evolução de 3,0% no comparativo mensal; lácteos também colaboraram com evolução de 3,4%, além do açúcar que cresceu seu indicador em 1,4%. Inflação nos alimentos preocupa pois agrava o problema da fome mundialmente.
No relatório de dezembro da safra 2022/23, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a produção global de milho foi revista para cima, em 0,3%, agora estimada em 1.208,7 milhões de toneladas. Apesar da alta, a União Europeia foi o único entre os produtores de relevância que teve alterações; neste mês, a estimativa foi de 70,4 milhões de toneladas (+3,7%), contra 67,9 milhões de toneladas do relatório anterior. As produções de Estados Unidos (382,6 milhões de toneladas), Brasil (118 milhões de toneladas) e Argentina (54,5 milhões de toneladas) foram mantidas em valores iguais ao do último mês. Já os estoques globais foram revistos para cima, de 304,4 (passado) para 305,5 milhões de toneladas (neste), alta de 0,3%. Outro destaque fica para os embarques brasileiros, que devem chegar a 30 milhões de toneladas nesta safra, crescimento de 9,0% em relação ao ciclo passado.
Na soja, o USDA estima as mesmas produções do último mês para os três principais países: Brasil com 144,0 milhões de toneladas; EUA com 120,4 milhões de toneladas; e Argentina com 49,5 milhões de toneladas. A grande novidade neste relatório está na oferta na China, que foi reduzida de 19 para 16,4 milhões de toneladas (-13,7%). Com isso, a oferta global total da oleaginosa foi revista para 381,8 milhões de toneladas (contra 384 do último mês). Os estoques também deverão ficar em níveis menores, em 1,7%, estimados agora em 102 milhões de toneladas; 1,8 milhão a menos que novembro.
Em sua atualização mensal sobre a safra de grãos 2021/22, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção nacional deverá alcançar 291,1 milhões de toneladas, o que representa um incremento de 15,1% frente à temporada anterior. A área cultivada está avaliada em 72 milhões de hectares (+ 4,3%), ou seja, um ganho de 3 milhões de hectares. Para a cultura da soja, a qual tem sua área projetada em 40,4 milhões de hectares (+ 3,7%), é esperada uma produção recorde de 137,3 milhões de toneladas (+ 4,0%) ou de 5,5 milhões de toneladas a mais. No milho a expectativa é de uma produção total de 117,2 milhões de toneladas (+ 34,6%) com boa recuperação de volume frente aos problemas climáticos enfrentados no ciclo anterior; a área de verão está avaliada em 4,5 milhões de hectares (+ 3,7%), os quais devem produzir 29,1 milhões de toneladas (+ 17,6%), enquanto na safrinha espera-se o cultivo de 15,8 milhões de hectares (+ 5,7%) e produção de 86,3 milhões de toneladas (+ 42,0%). Alguns especialistas já contestam os dados referentes ao milho verão, em consequência de um cenário adverso de clima seco no Sul do País. Já o algodão também apresentou uma boa recuperação em área cultivada para 2021/22, chegando a 1,5 milhão de hectares (+ 9,1%) e produção de pluma de 3,8 milhões de toneladas (+ 10,6%). Supersafra brasileira uma vez se consolidando, pode trazer um pouco de alívio ao cenário de oferta e controlar os preços mundiais.
Já no âmbito das operações, a Conab indica que até a semana de 4 de dezembro, o plantio da soja estava 95,1% concluído no País, frente a 90,2% no mesmo período do ciclo passado. No milho verão, o progresso é de 77,9%; há um ano, estávamos com 75,4%. Já no algodão, o avanço é ainda mais impressionante, com 16,1% das áreas plantadas contra 4,8% na mesma data de 2020/21. Seguimos em ritmo acelerado, na torcida pela continuidade das chuvas e de olho nas condições das lavouras!
As exportações do agronegócio em novembro atingiram um novo recorde para mês, de US$ 8,36 bilhões, crescimento de 6,8% frente a novembro de 2020, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esse montante é resultado de um aumento de preços na ordem de 22,3%, uma vez que para o volume embarcado de produtos houve queda de 12,7%. O complexo soja liderou a pauta de exportação com vendas de US$ 2,09 bilhões (+ 91,7%). O atraso no plantio e colheita no ciclo passado, bem como a produção recorde, permitiram maior oferta da oleaginosa neste final de ano. Apenas as vendas do grão totalizaram US$ 1,32 bilhões (+ 150%). Na segunda posição aparece o setor de carnes, o qual foi responsável pela comercialização de US$ 1,30 bilhão, sendo US$ 590,69 milhões (+ 26,2%) da carne de frango, US$ 493,66 milhões da bovina (- 41,5%) e US$ 168,68 milhões da suína (- 16,3%). A bovina em particular ainda sofre as fortes consequências da suspensão de importação por parte da China. A seguir os produtos florestais responderam por US$ 1,25 bilhão (+ 19,3%); o complexo sucroalcooleiro vendeu US$ 991,59 milhões (- 0,8%); e o café, US$ 617,72 milhões (- 0,9%).
Por outro lado, as importações do setor totalizaram US$ 1,45 bilhão, evidenciando um crescimento de 10,5%. O milho foi o principal produto adquirido, somando US$ 149,3 milhões (+ 423,4%), diante do cenário de escassez do cereal no mercado doméstico. Mesmo assim, o saldo da balança do setor para o mês ficou em US$ 6,9 bilhões (+ 6,0%). Ao considerarmos os onze primeiros meses do ano, as exportações do agro já totalizam US$ 110,7 bilhões (+ 18,5%), contemplando um novo recorde para a série histórica.
O PIB do agronegócio em 2022 deve crescer a um ritmo menos acelerado, entre 3% a 5%, segundo levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Já para 2021, o estudo conduzido em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) aponta para uma evolução de 9,37% em comparação com 2020.
O cenário de crise energética no mundo asiático e europeu somado à escassez de containers e encarecimento do frete marítimo já vem trazendo reflexos aos preços dos insumos agrícolas. China e Rússia já limitaram a exportação de fertilizantes, o que tem levado à disparada nos preços desses insumos e deterioração das relações de troca. Nos defensivos a conjuntura é parecida, há falta de moléculas no mercado, causando encarecimento nos preços. Tal contexto está gerando apreensão por parte dos agricultores. Muitos deles estão optando por reduzir a compra de fertilizantes para a temporada 2022/23 e até rever suas escolhas de culturas.
Apesar das discussões referentes ao cenário de insumos, o ciclo atual não evidenciou problemas com a oferta de fertilizantes. O País importou 36,8 milhões de toneladas, considerando o período de janeiro a novembro, de acordo com dados da Agrinvest Commodities. O principal fornecedor brasileiro foi a Rússia, responsável por 23,5% de tudo que o País adquiriu.
O Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) revisou sua estimativa para safra de laranja do ciclo 2021/22 para o Cinturão Citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro, agora avaliada em 264,14 milhões de caixas, sendo 1,39% inferior ao dado de setembro e 10,21% menor que o projetado em maio. Os principais motivos das quedas estão relacionados a condições climáticas adversas, com chuvas 30% abaixo da média na região, além das geadas de julho que provocaram queda prematura de frutos.
E na crescente temática de sustentabilidade, a Bunge anunciou recentemente seu plano de reduzir em 25% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 (comparação com 2020). Como parte das diretrizes para alcançar este resultado, a empresa irá monitorar e restringir o acesso a qualquer suprimento proveniente de áreas de desmatamento. Uma parceria entre a John Deere e a ONG The Nature Conservancy (TNC) vai promover a transformação de áreas agrícolas na região do Vale do Araguaia, no cerrado brasileiro. O projeto, que deve atender a 100 propriedades de pequenos e médios produtores, terá como foco os tópicos de governança territorial, transformação sistêmica, segurança hídrica e agricultura regenerativa. A ação tem o propósito de contribuir para a agenda do Brasil de ampliar as áreas com ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) e reduzir as de pastagens degradadas, até 2030.
Para concluir a nossa análise geral do agro, os preços dos principais produtos no fechamento desta coluna eram: a soja para entrega em cooperativa de São Paulo estava em R$ 161/saca e R$ 156/saca para março de 2022, um pequeno aumento. No milho, a cotação atual está em R$ 89,00/saca e a entrega em agosto de 2022 fechou em R$ 72/saca. O algodão fechou em R$ 210/arroba e para junho de 2022 em 186/arroba; e o boi gordo em R$ 306/arroba, praticamente igual ao mês passado.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em janeiro são:
• O clima e a qualidade das lavouras no Hemisfério Sul, principalmente Brasil e Argentina. Desde seca (RS) até excesso de chuva (BA, ES) vem trazendo problemas, acompanhar de perto;
• A situação mundial de crise energética (escassez de carvão, preços do petróleo, do gás natural e outros), aumento da incidência do coronavírus na Europa e Ásia, acompanhar dia a dia o que acontece na China, Índia e em outros produtores de químicos e fertilizantes para entendermos o que serão os próximos meses. O comportamento de compra, de preços e da oferta de defensivos e fertilizantes;
• O comportamento da China em relação às compras do Brasil, com destaque às decisões ligadas à carne bovina e também nos grãos;
• A evolução do quadro político e econômico no Brasil e as consequências no câmbio;
• Comportamento dos preços do petróleo. [2]
[1] Imagem de hannahlmyers por Pixabay.
[2] Texto de Marcos Fava Neves, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, Vinícius Cambaúva e Vitor Nardini Marques, mestrandos na FEA-RP.
Como citar este texto: Jornal da USP. Agora todas as atenções para o clima. Texto de Marcos Fava Neves, Vinícius Cambaúva e Vitor Nardini Marques. Saense. https://saense.com.br/2021/12/agora-todas-as-atencoes-para-o-clima/. Publicado em 22 de dezembro (2021).