Jornal da USP
26/06/2024
A batalha contra o rápido surgimento e popularização de Novas Substâncias Psicoativas (NPS, do inglês novel psychoactive substances) – projetadas para driblar a legislação ao imitar efeitos das tradicionais em fórmulas químicas diferentes – ganha um aliado que usa tecnologia de ponta. Equipe do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP anuncia ter criado uma ferramenta capaz de analisar substâncias químicas e reconhecer as novas drogas utilizando química computacional e aprendizagem de máquina (do inglês machine learning).
Responsável pelo estudo que deu origem à inovação, o pesquisador Christiano dos Santos desenvolveu algoritmos a partir de informações de espectros de infravermelho (tecnologia que identifica composição de uma amostra) de 75 substâncias de cinco categorias de NPS. Com os dados, aplicou aprendizado de máquina por meio de um software que classifica os espectros e prevê a substância contida na amostra.
Os resultados dos testes com a nova ferramenta, publicados na edição de maio da Psychoatives, mostraram “excelente desempenho, com precisão, especificidade e sensibilidade acima de 90%, permitindo um melhor entendimento e previsão das propriedades de moléculas e materiais”, informa Santos.
Para a orientadora da pesquisa, a professora Aline Thais Bruni, os profissionais da área têm agora em mãos uma ferramenta poderosa na identificação e análise de substâncias químicas, podendo enfrentar o desafio relacionado ao surgimento acelerado das NPS. Segundo ela, será possível implementar procedimentos de monitoramento que ajudem a desvendar casos complexos relacionados ao tráfico de drogas e a entender melhor as substâncias envolvidas.
A ideia também é que os dados espectroscópicos coletados pelo estudo sejam disponibilizados em uma biblioteca aos profissionais – forenses e outros – que trabalham com análises dessas substâncias químicas. “Essa pode ser uma orientação crucial na tomada de decisão sobre as análises, permitindo identificar com maior confiabilidade a estrutura química que está sendo investigada”, acrescenta Aline Bruni.
Ferramenta é treinada para identificar padrões nos dados
A equipe utilizou métodos computacionais (ou in silico) para obter o espectro infravermelho das substâncias presentes nos cinco grupos estudados, dentre eles as anfetaminas e os canabinoides. Foram obtidos dados de espectroscopia de infravermelho utilizando a Teoria do Funcional da Densidade (DFT, do inglês Density Functional Theory), técnica usada para entender a estrutura dos átomos e moléculas usando a densidade dos elétrons. Os métodos, diz a professora Aline Bruni, representam uma alternativa para conseguir informações de espectros de substâncias pouco conhecidas e “podem, inclusive, auxiliar a criar referências para potenciais drogas, que ainda não foram detectadas.”
Já o treinamento da ferramenta contou com uso de duas aproximações de machine learning: aprendizagem não supervisionada, em que os algoritmos identificam padrões nos dados, e supervisionada, na qual há treinamentos por meio de conjuntos conhecidos de amostras. Assim, “os modelos classificatórios gerados pela aprendizagem de máquina podem fornecer um diagnóstico inicial sobre a que grupo pertencem esses compostos”, informa a professora.
NPS e política contra drogas
Segundo Santos, com a política de guerra às drogas e os esforços internacionais na repressão do tráfico e do consumo dessas substâncias, surgem as NPS para burlar a legislação e dificultar o trabalho investigativo e pericial. As NPS imitam as drogas ilícitas tradicionais, como cocaína e MDMA (ecstasy), mas com estruturas químicas diferentes para evitar a fiscalização. A popularização desses novos compostos químicos representa “um desafio para os métodos de análise forense”, acrescenta o pesquisador Christiano dos Santos.
São compostos, na maioria sintéticos, que fogem do controle internacional por não constarem das listagens da Convenção Única de Entorpecentes (1961) e da Convenção sobre Substâncias Psicoativas (1971). De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC), entre 2010 e 2021, o total de NPS identificadas no mercado de drogas saltou de 162 para 618. Somente em 2021, foram descobertas 87 novas NPS, dentre elas “há diversos grupos entre alucinógenos, estimulantes, canabinoides e opioides sintéticos, e outros tipos de NPS”, conta a professora Aline.
Além de fugir da legislação, questões regulatórias também influenciam o desenvolvimento de métodos experimentais, já que as NPS são frequentemente detectadas por meio de operações policiais. Para os pesquisadores, compreender o comportamento dessas substâncias é crucial para auxiliar os procedimentos de investigação e controle do tráfico.
Os resultados desse estudo integram o trabalho de doutorado Métodos Computacionais e Machine Learning aplicados ao estudo de propriedades espectroscópicas de Novas Substâncias Psicoativas desenvolvido por Santos sob orientação de Aline Bruni e apresentado à FFCLRP em 1º de março de 2024.
Mais informações pelos e-mails: aline.bruni@ffclrp.usp.br, com Aline Bruni; christiano.sts@gmail.com, com Christiano dos Santos. [1], [2]
[1] Texto de Felipe Faustino
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/cientistas-ensinam-software-a-identificar-novas-drogas-psicoativas/
Como citar este texto: Jornal da USP. Cientistas ensinam software a identificar novas drogas psicoativas. Texto de Felipe Faustino. Saense. https://saense.com.br/2024/06/cientistas-ensinam-software-a-identificar-novas-drogas-psicoativas/. Publicado em 26 de junho (2024).