UFRGS
06/12/2024
Uma recente descoberta no sul do Brasil está lançando luz sobre um capítulo importante da evolução dos mamíferos. A pesquisa, realizada em colaboração entre cientistas brasileiros e britânicos, revelou detalhes anatômicos de fósseis encontrados no interior do Rio Grande do Sul, datados de antes da separação evolutiva entre os mamíferos e outros grupos, como répteis e dinossauros. O trabalho foi publicado na revista científica britânica Nature.
O estudo investigou duas espécies: Brasilodon quadrangularis e Riograndia guaibensis. Antes, acreditava-se que a evolução dos mamíferos seguia um único e linear caminho. Conforme o coautor do estudo, o paleontólogo e professor do Programa de Pós-graduação em Geociências da UFRGS (PPGGeo/UFRGS) Cesar Leandro Schultz, essas novas evidências ajudam a compreender o desenvolvimento da mandíbula e do ouvido médio dos mamíferos.
O docente explica que a descoberta revela a transição entre os animais que ainda possuíam várias peças ósseas na mandíbula e os que desenvolveram uma estrutura única, liberando outros ossos para a formação do ouvido.
“Esses fósseis mostraram que havia várias espécies experimentando características similares, mas em linhas evolutivas diferentes. Isso revela que o processo de evolução foi muito mais dinâmico e diversificado do que se pensava”César Leandro Schultz
Os Brasilodon quadrangularis mediam cerca de 20 centímetros de comprimento e pesavam pouco mais de 15 gramas. Tinham hábitos noturnos, caçavam insetos e pequenos répteis e viviam em pequenas tocas com seus filhotes, até que eles se tornassem adultos. Já os Riograndia guaibensis possuíam um comprimento de aproximadamente 15 centímetros e 30 gramas de peso, se alimentavam de insetos e eram próximos à condição mamaliana.
Essas curiosas espécies se assemelham aos roedores modernos de pequeno porte, porém a literatura científica sempre os retratou com características biológicas reptilianas. Ao examinar as mandíbulas e os dentes, ficou evidente, porém, que os animais possuíam dentição definitiva, substituindo a dentição de leite, uma característica de mamíferos. Isso indica que eram seres de sangue quente, cobertos de pelos e que alimentavam suas crias com leite materno.
O processo evolutivo dos mamíferos é marcado por essa adaptação única que envolve uma reconfiguração dos ossos mandibulares para um sistema auditivo mais sofisticado. As diferenças estruturais entre essa classe e outros grupos evolutivos são embasadas nas características cranianas e mandibulares. Enquanto mamíferos possuem apenas um osso na mandíbula, répteis possuem vários. Nos répteis, a articulação mandibular está próxima ao ouvido, complicando a evolução de processos como a mastigação e a audição.
Trabalho em conjunto
Apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), o estudo contou com colaboração internacional. Segundo Schultz, a parceria com pesquisadores britânicos trouxe novos horizontes para o trabalho. “Eles têm muito conhecimento acumulado sobre o tema, enquanto nós tínhamos os fósseis e o ambiente para pesquisar. Juntos, conseguimos resultados que individualmente seriam bem mais difíceis de alcançar”, afirma.
O uso de tecnologias avançadas, como a tomografia computadorizada de alta resolução disponibilizada pela Universidade de Bristol, foi fundamental para analisar as amostras. Schultz ressalta que os fósseis eram tão pequenos e frágeis que era quase impossível manuseá-los manualmente sem danificá-los. Esse equipamento permite enxergar os detalhes mais minuciosos, como as cavidades internas dos ossos, o que levou os cientistas a observarem o quanto as estruturas internas são importantes para a classificação entre grupos evolutivos.
O estudo também coloca o Rio Grande do Sul em um papel central para o entendimento da evolução. Conhecido pelos cientistas da área como “o berço dos dinossauros”, o estado agora é reconhecido como um importante polo para o estudo dos primeiros mamíferos e seus ancestrais. A presença de rochas específicas na região permitiu a preservação única desses fósseis, tornando o local um ponto de referência para pesquisadores do mundo todo.
Descobrindo detalhes em cada ossinho
O time de pesquisadores da UFRGS está usando um equipamento de microtomografia – cedido pela Universidade de Bristol – para estudar a anatomia de animais que viveram há milhões de anos. Por trás de cada imagem e reconstrução digital, há o trabalho meticuloso de especialistas que, juntos, desvendam os mistérios dessas espécies extintas.
Um dos integrantes da equipe, o paleontólogo e doutorando do PPGGeo da UFRGS Pedro Fonseca explica como a pesquisa tem evoluído. A técnica permite aos cientistas observarem estruturas minúsculas de fósseis e espécimes de animais em 3D. Conforme Fonseca, é semelhante à tomografia que fazem em seres humanos, só que mais detalhada, pensada para capturar as estruturas de seres menores.
“O mais interessante é que, enquanto um colega estuda a mandíbula, eu posso focar em outra parte, como o focinho. A técnica permite que cada um se concentre em áreas diferentes, e a gente vai juntando essas informações para entender o bicho como um todo”Pedro Fonseca
Cada pesquisador ficou responsável por uma parte diferente do crânio, formando um quebra-cabeça que, no final, desenha uma imagem completa. Fonseca destaca que atualmente tem se dedicado em investigar os nervos faciais, mas o trabalho vai além. “Estamos também estudando o desenvolvimento olfativo. Isso ajuda a entender as capacidades sensoriais desses animais e como eles interagem com o ambiente.”
Segundo o pesquisador, as tarefas são divididas em várias etapas e envolvem alunos e outros profissionais que colaboram para desvendar detalhes únicos da anatomia dos animais. O time já finalizou os estudos da estrutura cerebral, e atualmente estão avançando para o ouvido e os nervos da face.
Todo o processo de análise é feito digitalmente. As imagens de microtomografia são transformadas em modelos tridimensionais, que permitem uma visão mais clara das estruturas internas dos fósseis. “A gente isola as partes anatômicas nas imagens e cria reconstruções detalhadas. No computador, conseguimos observar o crânio inteiro, como se estivéssemos segurando o animal em nossas mãos”, afirma o paleontólogo. A equipe espera continuar a pesquisa para explorar mais aspectos da evolução dos dentes e outras estruturas anatômicas dos primeiros mamíferos, um campo que promete ainda mais descobertas. [1], [2]
[1] Texto de Renata Rosa
[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/nova-descoberta-paleontologica-no-brasil-ajuda-a-entender-evolucao-dos-mamiferos/
Como citar esta notícia: UFRGS. Nova descoberta paleontológica no Brasil ajuda a entender evolução dos mamíferos. Texto de Renata Rosa. Saense. https://saense.com.br/2024/12/nova-descoberta-paleontologica-no-brasil-ajuda-a-entender-evolucao-dos-mamiferos/. Publicado em 06 de dezembro (2024).