Jornal da USP
13/12/2024
Em expedição por vários estados do País, foi um almoço em um restaurante na beira da estrada no município da Luz, em Minas Gerais, que levou Rafaela Marinho e Clesnan Mendes Rodrigues a encontrarem uma nova espécie de angiosperma. O trabalho de campo dos pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) tinha como objetivo coletar populações da Eriotheca pubescens, espécie de árvore irmã da descoberta encontrada em todo o Cerrado. Ao notarem características morfológicas como maior porte e presença mais acentuada de frutos e flores que poderiam diferenciar as irmãs, o grupo de pesquisa enviou amostras para Vania Yoshikawa, taxonomista e pós-doutoranda do Instituto de Biologia (IB) da USP.
A avaliação populacional realizada pelos cientistas chamou a atenção de Vania, tanto por sua endemicidade no Cerrado de Minas Gerais como a quantidade pequena de indivíduos encontrados, em maior parte no estacionamento desse restaurante. Com muitos frutos brancos e folhas com “pelinhos” translúcidos chamados tricomas em sua copa, a Eriotheca luzensis chamou atenção pela beleza e sua poliembrionia, sementes que dão origem a mais de um embrião idêntico. Todas essas características, junto a fatores genéticos, permitiram aos pesquisadores da UFU a definirem como uma linhagem diferente.
A produção de sementes ressalta a importância do seu papel ecológico, pois elas servem de alimento para diversas espécies, além de suas flores também serem nutrientes de abelhas e outros polinizadores. Assim, sua descrição e categorização vão ajudar a criar políticas de preservação da espécie. “Infelizmente, nas áreas em que encontramos muitos indivíduos, dificilmente vai ter uma área de conservação. É preciso um trabalho em conjunto com o governo e especialistas em políticas públicas para propor algum plano de manejo ou a criação de unidade de conservação para preservá-la”, afirma Vania.
Esses e outros resultados resultaram em um artigo publicado neste ano na revista Phytotaxa.
“Ela quase não ocorre em unidades de conservação, então ela não está muito protegida. Acredito que esses indivíduos não foram cortados devido à sua beleza. Se fosse uma árvore pequena ou sem flor, provavelmente teria sido derrubada para dar lugar a construções. ” – Vania Yoshikawa
Diferenças das irmãs
A descrição dessa espécie foi um trabalho colaborativo e o processo começou quando a pesquisadora estava no final do doutorado na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), junto com sua orientadora, Marilia Duarte. Em 2014, os pesquisadores da UFU Rafaela Marinho e Clesnan Rodrigues, orientados pelo professor Paulo Oliveira, encontraram a espécie durante um trabalho de campo. Ao analisar o que foi coletado, Marília e os cientistas resolveram enviar o material para análise em São Paulo. A investigação foi feita comparando exemplares da USP e de herbários internacionais. A confirmação de ser uma espécie nova veio apenas em 2023, depois de serem analisadas características morfológicas, das sementes e de reprodução.
Um dos primeiros sinais de que a planta poderia ser distinta foi o seu tamanho – maior que a linhagem E. pubescens – e a maior quantidade de frutos e flores. “Quando colocaram para germinar, viram que a semente dava origem a mais de uma planta, então, às vezes, saíam dois ou três brotos,” relatou Vania. Essa característica da semente dar origem a mais de um embrião é incomum nas plantas do Cerrado e pode representar uma adaptação evolutiva da espécie para sucesso reprodutivo. A Eriotheca luzensis também apresentou variações morfológicas na estrutura de suas flores, em especial na forma e na distribuição dos pelos, chamados tricomas.
“A flor tem o cálice com uma espécie de pelinho, que chamamos de tricomas; normalmente, nas outras espécies, eles ficam bem distribuídos e homogêneos, mas nessa espécie, esses pelinhos ficam bem agrupados na parte de cima do cálice”, detalha a pesquisadora. Esses pelos estão presentes em menor quantidade em comparação a suas irmãs, e também há uma densidade reduzida deles nas folhas, além de serem translúcidos, uma característica que se destaca em relação aos tricomas dourados ou até negros das demais.
Além de todas essas diferenças, ela “tem uma quantidade menor da parte que solta o pólen, chamada antera; são cerca de 130 nas flores, enquanto a espécie irmã tem aproximadamente 200”, conta. Ela é encontrada exclusivamente no Cerrado de Minas Gerais, uma área de ocorrência muito restrita em comparação à linhagem pubescens, que ocorre em todo o Cerrado. A distribuição geográfica e esses aspectos únicos em sua morfologia contribuíram para a sua classificação como uma nova espécie.
Genética e pressões socioambientais
Para assegurar a conservação dessa espécie recém-descoberta, é necessário entender melhor suas relações ecológicas e adaptativas, uma vez que ela habita uma área restrita do Cerrado, um bioma que enfrenta grandes pressões devido ao desmatamento e às queimadas, que estão agravando o processo de desertificação. Além das ações diretas para preservação, é fundamental conscientizar a sociedade sobre a importância de proteger espécies nativas e endêmicas, como também entender as variações nessa nova planta do Cerrado mineiro.
A taxonomista enfatiza que identificar e nomear essa nova árvore é uma etapa essencial na luta pela conservação ambiental, apesar de muitas vezes “as pessoas pensarem que só se estudam novas espécies por estudar; é essencial saber o nome da espécie para podermos preservá-la”. Desse modo, reforça a ideia de que sem um entendimento completo sobre as espécies nativas, não é possível desenvolver políticas eficazes de conservação.
Rafaela Marinho, bióloga geneticista da UFU que encontrou a planta, esclarece que o trabalho inicialmente era descrever o genoma do gênero Eriotheca. Essa atenção dada deve-se à dedicação do grupo em entender o fenômeno de poliembrionia, que é algo raro nas plantas do Cerrado. “O trabalho envolveu descrever o tamanho do genoma das plantas do gênero e a E. luzensis tem um tamanho de genoma muito grande em comparação a outras espécies, além de apresentar a poliembrionia”, explica Rafaela.
“Esses fenômenos como a poliembrionia e a variação de ploidia (tamanho do genoma) podem estar ligados à diversificação” – Rafaela Marinho
A geneticista explica que os estudos do DNA da planta avançam para poderem entender os processos de diferenciação dos indivíduos e as pressões ambientais e geográficas que levaram à separação reprodutiva entre as espécies. “Quando as espécies ficam isoladas, características específicas podem se diferenciar ao longo das gerações,” detalha. Apesar dessas diferenciações, o desafio era identificar se se tratava apenas de variações dentro da mesma espécie ou se era realmente uma nova. O que os estudos morfológicos, taxonômicos e genéticos confirmam é: apesar do cenário em risco do bioma, ele continua resiliente e a se adaptar às novas condições ambientais.
Mais informações: vania_nobuko@hotmail.com, com Vania Yoshikawa [1], [2]
[1] Texto de Jean Silva
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/descoberta-no-cerrado-mineiro-nova-especie-de-arvore-tem-frutos-brancos-e-folhas-peludas/
Como citar este texto: Jornal da USP. Descoberta no Cerrado mineiro, nova espécie de árvore tem frutos brancos e folhas “peludas”. Texto de Jean Silva. Saense. https://saense.com.br/2024/12/descoberta-no-cerrado-mineiro-nova-especie-de-arvore-tem-frutos-brancos-e-folhas-peludas/. Publicado em 13 de dezembro (2024).