Matheus Macedo-Lima
14/10/2015

Microglias (em vermelho) interagindo com fibras de neurônios (em verde). Mouse brain por P. Janz (Flickr) / Creative Commons
Microglias (em vermelho) interagindo com fibras de neurônios (em verde). [1]
Quantas vezes nossos mais queridos heróis dos quadrinhos já foram vistos como vilões? Batman, Super-Homem e até mesmo o Homem-Aranha já foram acusados de fazerem mais mal do que bem à sociedade, mesmo quando eles realmente só queriam protegê-la. Infelizmente, mais um dos nossos queridos “heróis” está sendo visto como vilão: os combatentes do “crime” no nosso cérebro – as microglias – parecem estar envolvidos na progressão da doença de Alzheimer.

Para quem ainda pensa que nosso cérebro só contém neurônios, saiba que isso está longe de ser verdade. Neurônios são células incapazes de tomarem conta de si mesmas, e é aí que entram as glias, ou células de suporte (babás de neurônios). Há três tipos principais: as astroglias, as oligodendroglias, e as microglias, que são combatentes de inflamações e infecções no cérebro.

Eis que um grupo de cientistas liderado por Tsuneya Ikezu, da Universidade de Boston, colocou em xeque nosso carinho incondicional pelas microglias. Em um estudo recente [2], os autores relatam que desenvolveram um método capaz de induzir o espalhamento super-rápido das famosas proteínas tau mutantes no cérebro de camundongos utilizando um vírus. Até então, não se tinha certeza de como as proteínas tau mutantes se espalhavam de neurônio para neurônio na doença de Alzheimer. Eles identificaram por microscopia que as microglias estavam presentes perto de neurônios que continham tau mutante, e em razão disso suspeitaram que elas poderiam estar envolvidas no espalhamento dessas proteínas (para bem ou para mal).

Em seguida, os autores reduziram a quantidade de microglias no cérebro de outros camundongos por meio de uma dieta especial ou de injeção de uma droga que destrói microglias, e adivinhem…? Menos neurônios continham tau mutante em camundongos que receberam esses tratamentos após a infecção viral.

Eles conseguiram identificar que a proteína tau mutante era absorvida do meio e secretada pelas microglias! Eles então trataram camundongos doentes com uma droga bloqueadora de secreção microglial, e observaram que os números de neurônios contendo tau mutante eram 75% menores do que os controles!

Apesar disso, nem pense em livrar seus avós de microglias! Elas são essenciais para o bom funcionamento do cérebro, e se não fosse por elas, seus avós nem chegariam à idade de risco do Alzheimer! Esse estudo sugere um mecanismo que pode ser importante no desenvolvimento de drogas que retardem o avanço do mal de Alzheimer, mas muito mais estudos nessa área são necessários para entender os efeitos colaterais desses possíveis tratamentos.

Aaron Eckhart bem que podia estar se referindo às microglias em Batman: O Cavaleiro das Trevas quando disse: “Ou você morre como herói, ou você vive o bastante para se ver tornando-se o vilão”.

[1] Credito da imagem:  P Janz – Mouse brain (ZEISS Microscopy, Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/zeissmicro/16097488120/.

[2] H Asai et al. Depletion of microglia and inhibition of exosome synthesis halt tau propagation. Nature Neuroscience 18, 1584 (2015).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Combatentes do “crime” no cérebro viram vilões no mal de Alzheimer. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2015/10/combatentes-do-crime-no-cerebro-viram-viloes-no-mal-de-alzheimer/. Publicado em 14 de outubro (2015).

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