Matheus Macedo-Lima
17/02/2016
Não precisa pensar muito para convencer-se de que o ser humano é uma espécie violenta. Em meio a tantos tiroteios em massa e outros casos de violência por motivos ideológicos, financeiros, ou até sem motivos, nos questionamos se as causas são mesmo apenas culturais, ou se, na realidade, são parte da nossa natureza. Somente há evidências de “formação de quadrilha” para cometer atos de violência contra a própria espécie – sem que haja motivos aparentes de sobrevivência – em uma outra espécie no mundo animal: nossos parentes evolutivos mais próximos, os chimpanzés (exemplo em vídeo). Há até relatos de uma guerra entre duas populações que durou quatro anos na África! Isso é um indício de que a violência pode ter raízes na evolução.
Logicamente, podemos deduzir que, se a violência é um traço natural, deve haver uma área do cérebro diretamente envolvida em sua regulação, e essa área deve ser semelhante em outros animais. Estudos sobre pacientes com lesões cerebrais podem ser importantes para se ter uma ideia de quais áreas podem estar envolvidas. Há relatos de que pacientes com lesões no septo pelúcido podem apresentar hiper-agressividade e distúrbios afetivos [2].
(Nota curiosa: para quem lembra de Rocky V, o protagonista foi diagnosticado com uma lesão no septo devido a pancadas na cabeça, o que contribuiu para que ele se aposentasse!)
Estudos em animais confirmaram que a estimulação da parte lateral do septo inibe instintos agressivos. Em um estudo recente, pesquisadores da Universidade de Nova Iorque conseguiram ligar e desligar a agressividade para defesa de território em camundongos machos utilizando farmacologia e uma técnica chamada optogenética (vídeo muito legal aqui) [3].
(Detalhe nerd: Essa técnica faz uso de vírus que infectam os neurônios e os obrigam a expressar canais que podem ser ativados por luz. Esses canais, por sinal, foram descobertos em algas verdes microscópicas!)
Ativando o septo lateral, os cientistas inibiram a agressividade dos animais contra intrusos. Por outro lado, ao inibir o septo, eles conseguiram provocar a agressão. Os cientistas foram além, e determinaram que os neurônios do septo controlam neurônios no hipotálamo ventromedial, que também regula o apetite e a libido. Porém, quando fêmeas eram colocadas na gaiola, os camundongos machos, mesmo com o septo ativado por luz, mostraram comportamentos sexuais. Portanto, os cientistas concluem que as células do septo regulam células no hipotálamo e controlam a violência nos camundongos, sem, entretanto, afetar a libido (o apetite não foi avaliado nesse artigo).
A aplicabilidade dessas descobertas pode ser importante. Não há ainda métodos eficientes para “curar” a hiper-agressividade em crianças ou em prisioneiros, por exemplo. Tratamentos neurológicos que reduzam o instinto agressivo sem afetar outras funções cognitivas e sociais podem vir a salvar muitas vidas.
[1] Crédito da imagem: jadawin42 (Flickr) / Creative Commons (CC BY-SA 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/jadawin42/17313112755/.
[2] W Zeman and FA King. Tumors of the septum pellucidum and adjacent structures with abnormal affective behavior: an anterior midline structure syndrome. J Nerv Ment Dis 127, 490 (1958).
[3] LC Wong et al. Effective Modulation of Male Aggression through Lateral Septum to Medial Hypothalamus Projection. Current Biology 26, 593 (2016).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. A agressividade pode ser desligada no cérebro. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/02/a-agressividade-pode-ser-desligada-no-cerebro/. Publicado em 17 de fevereiro (2016).