Tábata Bergonci
18/05/2016

A fórmula da vida tem sido elucidada vagarosamente e passo-a-passo pelos cientistas. [1]
A fórmula da vida tem sido elucidada vagarosamente e passo-a-passo pelos cientistas. [1]
Acredita-se que a vida na Terra se originou de reações químicas entre moléculas que, em um planeta pré-vida, formaram novas moléculas fundamentais para a existência de qualquer ser vivo, como os nucleosídeos: peças fundamentais para a formação de DNA e RNA.  A dança molecular que guiou a origem da vida, bilhões de anos atrás, continua sendo um dos mais profundos mistérios da ciência moderna. Embora a exata coreografia esteja para sempre perdida no tempo, parece que cientistas identificaram mais um dos passos dessa dança. Pesquisadores alemães publicaram, nesse mês, na revista Science, o que parece ser uma explicação plausível para o surgimento das purinas, importantes moléculas ingredientes para a formação dos nucleosídeos.

Há bastante tempo acredita-se que a molécula chave para a origem da vida foi o RNA. RNAs são moléculas responsáveis por inúmeras funções na célula, como a regulação e a expressão dos genes. O RNA transmite a informação que está contida em nosso DNA para que essa possa ser “lida” pelas células e transformada em proteínas, que, por sua vez, irão formar todas as estruturas do organismo. Assim, entender como essa molécula surgiu torna-se questão fundamental para chegar mais perto do surgimento da vida. O RNA é formado por dois diferentes tipos químicos: purinas e pirimidinas. Há sete anos, pesquisadores do Reino Unido desvendaram como reações químicas desencadearam o surgimento das pirimidinas na Terra primitiva [2]. Em relação às purinas, há quarenta anos se buscava as mesmas respostas sem sucesso. Mas como é que essas respostas puderam ser encontradas em laboratório?

O trabalho de pesquisadores que estudam o despontar da vida envolve alto conhecimento sobre reações químicas, paciência e, como toda ciência, um pouco de sorte! O grupo de cientistas alemães, interessados em desvendar o aparecimento de purinas no planeta, começou com um passo simples: eles combinaram hidrogênio, cianeto e água – moléculas abundantes na Terra primitiva – imitaram as condições atmosféricas do passado (como baixa quantidade de oxigênio) e classificaram as moléculas originadas dessas reações [3]. A dificuldade surgiu, então, quando o grupo percebeu que a presença dessas três substâncias em um mesmo recipiente possibilitava uma ampla combinação, formando muitos diferentes compostos.

Assim, os pesquisadores começaram a buscar um jeito de interromper a maioria das reações, para poderem trabalhar com número aceitável de moléculas formadas. A solução incrível, e mais simples que o esperado, foi deixar a reação levemente mais ácida, com a presença de um pouco mais de cianeto. Isto parou todas – menos uma! – reação: exatamente a que culminava com a formação das purinas!

As descobertas não pararam por aí. Apesar da combinação de hidrogênio, cianeto e água formar purinas, a quantidade necessária para a consequente formação de RNA não foi gerada na reação. Para se obter grandes quantidades de purina é necessária a presença de ácido fórmico. Em 2015, a sonda espacial Rosetta detectou esse ácido em um cometa, e os cientistas acreditam que as quedas de cometas na Terra primitiva foram fonte crucial desse ácido no passado. Quando os cientistas colocaram ácido fórmico na reação e a esquentaram, mais de 90% do produto formado foram purinas.

Tudo explicado, então? Não tão rápido… Ainda nos falta saber como as purinas e pirimidinas se combinaram para formar as moléculas de RNA. E, mesmo se todas as moléculas estavam na mesma “sopa”, e ao mesmo tempo, ainda não é óbvio o processo pelo qual elas se ligaram para formar a molécula vital.

Estamos aqui, por isso essa ligação ocorreu de alguma forma. Mas os pesquisadores ainda precisam alinhar alguns passos da dança antes de um dos maiores mistérios da vida ser realmente resolvido.

[1] Crédito da imagem: Neil Tackaberry (Flickr) / Creative Commons (CC BY-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/23629083@N03/10908020495/.

[2] C Switzer. A missing prebiotic link: discovery of a plausible synthesis of pyrimidine nucleotides. Chembiochem 10, 2591 (2009).

[3] S Becker et al. A high-yielding, strictly regioselective prebiotic purine nucleoside formation pathway. Science 352, 833 (2016).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Desvendado mais um mistério sobre a origem da vida. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/05/desvendado-mais-um-misterio-sobre-a-origem-da-vida/. Publicado em 18 de maio (2016).

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