Matheus Macedo-Lima
25/05/2016

A ciência soluciona lenta, mas implacavelmente os mistérios sobre a zika. As redes sociais são aliadas e vilãs para esses avanços. [1]
A ciência soluciona lenta, mas implacavelmente os mistérios sobre a zika. As redes sociais são aliadas e vilãs para esses avanços. [1]
(Este será um texto sobre os mais recentes resultados de pesquisas sobre o vírus da zika. Menos o primeiro parágrafo, que será um repúdio à prática da desinformação.)

A era das redes sociais oferece-nos uma “faca de dois gumes”: a facilidade de divulgação de notícias. Um dos gumes talha em favor da boa informação jornalística e científica. O outro mutila o senso comum com notícias desfiguradas e teorias da conspiração. Um estudo reporta que postagens conspiratórias na internet mostram um padrão de espalhamento muito similar ao das postagens científicas durante as horas iniciais das postagens. Ainda mais preocupante é que com o tempo, postagens científicas “perdem a força”, ao passo em que as conspiratórias tendem a se fortalecer [2]. Em momentos como o atual, em que muito se fala sobre o vírus zika, é natural que este vírus seja objeto de muitas postagens nas redes sociais. Um estudo mostra que no início de 2016, o número de postagens no Twitter sobre avanços científicos no desenvolvimento da vacina contra o vírus coincide fortemente no tempo com postagens pseudocientíficas sobre ele [3]. Essas constatações ilustram a necessidade de manter-nos bem informados, o que implica em recorrer a fontes de informação boas e confiáveis. Portanto, é válido alertar: o “vírus da desinformação” também precisa ser combatido!

Mas vamos falar de ciência…

Se ainda restam dúvidas sobre a correlação entre as infecções pelo vírus da zika e casos de microcefalia fetal, estamos cada dia mais perto de uma comprovação da causa – e ela não envolve agrotóxicos. Um estudo 100% “made in Brazil” publicado numa das revistas de mais alto impacto no mundo, a Science, comprova a suspeita: o vírus da zika infecta células-tronco neuronais e neurônios humanos, retarda seu desenvolvimento e causa morte celular [4]. Nesse estudo, os pesquisadores cultivaram células em laboratório e as infectaram com o vírus. Após a infecção eles observaram que a quantidade de partículas virais aumentou com o tempo, o que indica a existência de um mecanismo ativo de proliferação e infecção. Além disso, ao observar as células com microscopia eletrônica (uma super lupa), os cientistas verificaram que o vírus causou deformações nas membranas celulares e nas mitocôndrias, e desencadeou o processo de autodestruição celular (apoptose). Um estudo independente feito por um grupo americano mostra, além de resultados semelhantes ao da pesquisa brasileira, que a infeção por zika desregula a expressão de diversos genes ligados à manutenção da maquinaria celular, como fabricação e organização de proteínas, divisão celular, entre outras.

Comprovar que a zika causa a microcefalia é apenas a ponta do iceberg. Ainda falta entender muito sobre como o vírus age durante o desenvolvimento do cérebro e como ele age em adultos. Por exemplo, precisamos entender a correlação entre a zika e os casos de síndrome de Guillain-Barré em adultos. Para isso, modelos animais são essenciais. Felizmente, já há um estudo mostrando resultados promissores [5]. Esse estudo demonstra que, em camundongos, o vírus se espalha preferencialmente em direção ao sistema nervoso central e para os testículos, o que embasaria a hipótese de transmissão sexual do vírus!

Além disso, a vacina está em desenvolvimento e o Instituto Butantan é um dos principais envolvidos. A previsão é de que a vacina estará pronta para ser testada em 2018 ou 2019 [6]. Não podemos esquecer, é claro, dos esforços para combater a proliferação do mosquito, com a conscientização da população aliada à disseminação de mosquitos geneticamente modificados.

Para controlar o vírus da zika, a ciência ainda terá que investigar muito. O processo científico é lento e depende fortemente de apoio popular e financiamento (o que nem sempre é reconhecido por governantes…). Enquanto a solução da ciência para o problema que, a esse ponto, já é mundial, não é alcançada, não podemos permitir que a viralização da desinformação seja mais um obstáculo a ser superado! [7]

[1] Crédito da imagem: Martin Howard (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/martinjhoward2/4878376492/.

[2] MD Vicario et al. The spreading of misinformation online. PNAS 113, 554 (2016).

[3] M Dredze et al. Zika vaccine misconceptions: A social media analysis. Vaccine 34, 3441 (2016).

[4] PP Garcez et al. Zika virus impairs growth in human neurospheres and brain organoids. Science 10.1126/science.aaf6116 (2016).

[5] HM Lazear et al.  A Mouse Model of Zika Virus Pathogenesis. Cell Host Microbe 19, 720 (2016).

[6] EC Hayden. The race is on to develop Zika vaccine. Nature 10.1038/nature.2016.19634 (2016).

[7] Artigos relacionados: E se a “zika” continuar? Há cura para a microcefalia?, Mosquitos transgênicos trazem esperança para o controle de doenças… e Uma vacina contra todos os tipos de vírus?.

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. O vírus da zika infecta e mata neurônios humanos (e uma crítica à prática da desinformação). Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/05/o-virus-da-zika-infecta-e-mata-neuronios-humanos-e-uma-critica-a-pratica-da-desinformacao/. Publicado em 25 de maio (2016).

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