Tábata Bergonci
07/09/2016
O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres, atrás apenas do câncer de pele. Esse tipo de câncer é raro em homens, correspondendo a apenas 1% do total de casos da doença. Por ano, o câncer de mama mata mais de 10 mil brasileiras [2], e, no mundo, mais de 40 mil, dentre os mais de 200 mil novos casos anuais [3].
Devido à tamanha importância, o câncer de mama tem sido estudado extensivamente nas últimas décadas. Muitos genes já foram encontrados como sendo relacionados à doença, sendo muitos destes utilizados para diagnósticos, prognósticos e tomadas de decisões no que se refere ao melhor tipo de tratamento [4]. Um fato interessante sobre o câncer de mama é que, diferente de outras doenças geneticamente complexas, apenas quatro genes são mutantes em mais de 10% dos casos [5]. Um desses genes é o GATA3, e pesquisadores acabam de descobrir que mutações nesse gene alteram a sensibilidade às drogas contra o câncer [6].
Para entender melhor a história, talvez seja bom explicar quem é GATA3. Esse gene codifica uma proteína que é um fator de transcrição. Fator de transcrição é uma proteína que “senta” em uma região específica no DNA, podendo aumentar ou diminuir a transcrição de outros genes, ou seja, regulando a expressão gênica. No caso de GATA3, sua função é necessária para o desenvolvimento da glândula mamária. Uma vez que a glândula já esteja formada, GATA3 ajuda a manter a identidade das células [7].
Os pesquisadores [6] encontraram que 59% das mutações (responsáveis pelo câncer de mama) no gene GATA3 produzem uma proteína maior que a normal. Interessantemente, essa proteína mutante consegue se ligar melhor ao DNA. Essa forte e mais frequente ligação faz com que genes que se encontram “desligados” em células normais passem a ser expressos. Ainda, pacientes com esse tipo de mutação tem uma curta sobrevida livre da doença, em comparação com outros tipos de mutações em GATA3 que também levam ao câncer.
Com a descoberta de uma mutação tão importante, os pesquisadores resolveram buscar drogas que pudessem afetar especificamente a proteína mutante GATA3 mais longa. Eles testaram aproximadamente 100 drogas, entre as já aprovadas e em fase de experimentação contra o câncer. Para os testes, células que continham GATA3 mutante foram cultivadas em meio de cultura – esse meio possuía poucos nutrientes, para imitar as condições de células que crescem em um tumor – e as trataram por seis dias com as diferentes drogas. Após os seis dias, a viabilidade das células foi conferida e uma entre as cem drogas foi eficiente!
A droga em questão se chama BIX101294 e conseguiu inibir a viabilidade de cerca de 50% das células que continham a mutação que confere uma GATA3 mais longa. Melhor ainda: a droga não afetou células que possuíam GATA3 normal ou as demais mutações cancerígenas. Mas o que essa droga faz?
O nosso DNA se encontra enovelado em nossas células e para que os genes possam se expressar, pedaços de DNA são desenovelados. Existem proteínas, chamadas histonas, que ajudam no processo de desenovelar e enovelar o DNA, culminando na expressão ou repressão de genes, respectivamente. Para que as histonas desenovelem o DNA e liberem a transcrição dos genes, são necessárias algumas enzimas chamadas metiltransferases. BIX101294 é uma droga que atua inibindo algumas metiltransferases que, consequentemente, não ativam certas histonas. A não ativação dessas histonas não permite que o DNA se desnovele de maneira correta. A GATA3 cancerígena mais longa não consegue se ligar ao DNA parcialmente enovelado, e os genes que ela ativaria consequentemente não são expressos. Uma outra descoberta da pesquisa foi que as células que possuem GATA3 cancerígenas são heterozigotas, o que significa dizer que também possuem GATA3 normal. Isso significa que inibindo a função de GATA3 mutante, ainda teremos a atuação da proteína normal nessas células. Legal, não!?
A descoberta é importante, já que essa mutação corresponde a 59% das GATA3 cancerígenas. Além do tratamento encontrado, o estudo ainda mostra que as diferentes mutações em um gene provocam cânceres por maneiras diferentes e não podem ser tratadas com as mesmas drogas. Encontrar drogas eficientes para cada tipo de mutação parece ser um caminho seguro para a cura dos diferentes tipos de câncer.
[1] Crédito da imagem: maf04 (Flickr)/ Creative Commons (CC BY-SA 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/maf04/6237594287/.
[2] INCA. Mama. URL: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/mama/cancer_mama. Acesso: 05 de setembro (2016).
[3] National Cancer Institute. SEER Stat Fact Sheets: Female Breast Cancer. URL: http://seer.cancer.gov/statfacts/html/breast.html. Acesso: 05 de setembro (2016).
[4] C Curtis et al. The genomic and transcriptomic architecture of 2,000 breast tumours reveals novel subgroups. Nature 486, 346 (2012).
[5] ES Lander. Initial impact of the sequencing of the human genome. Nature 470, 187 (2011).
[6] B Mair et al. Gain- and loss-of-function mutations in the breast cancer gene GATA3 result in differential drug sensitivity. Plos Genetics 12, e1006279 (2016).
[7] H Kouros-Mehr et al. GATA-3 and the regulation of the mammary luminal cell fate. Curr Opin Cell Biol 20, 164 (2008).
Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Câncer de mama: descoberta uma droga eficaz contra uma mutação gênica responsável pela doença. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/09/cancer-de-mama-descoberta-uma-droga-eficaz-contra-uma-mutacao-genica-responsavel-pela-doenca/. Publicado em 07 de setembro (2016).