Claudio Macedo
23/09/2016
A disseminação de câmeras de vigilância e de smartphones tem feito com que atos “anormais” cometidos pelas pessoas sejam cada vez mais gravados em vídeos. Quando esses atos gravados são considerados danosos, replays de vídeos vêm à tona para o público, através da mídia social, ou são introduzidos nos tribunais como prova de crime.
O vídeo proporciona repetidas visões da ação, o que pode aumentar os limites da atenção humana através de maior processamento visual. Como o vídeo pode ser exibido em câmera lenta, ele também fornece o benefício aparente de dar às pessoas a condição de “ver melhor” eventos que aconteceram rapidamente ou em um ambiente caótico.
Para determinar a responsabilidade pela ação danosa, as pessoas muitas vezes têm de fazer inferência sobre a intenção do transgressor. Nos tribunais e meios de comunicação populares, tais inferências dependem cada vez mais de provas de vídeo, que são frequentemente apresentados em câmera lenta.
Pesquisadores norte-americanos examinaram exaustivamente como a velocidade de reprodução do vídeo afeta o julgamento humano. Eles observaram que repetição em câmera lenta pode aumentar sistematicamente a conclusão de que houve intencionalidade no ato porque dá aos espectadores a falsa impressão de que o autor teve mais tempo para premeditar antes de agir. Em processos judiciais de alguns países, a conclusão do jurado de que houve premeditação do réu pode significar a diferença entre a vida e a morte [2].
No trabalho, os autores realizaram experimentos de julgamentos simulados com 4.347 pessoas. Nesses experimentos, eles usaram imagens reais de um assassinato para comparar a diferença do julgamento de intencionalidade quando utilizaram a visualização da ação em câmera lenta em comparação com a mesma ação em velocidade regular. Os resultados revelaram que as chances de um veredicto unânime de assassinato em primeiro grau foram 3,42 vezes maiores entre os júris simulados que só viram a versão lenta e 1,55 vezes maiores entre os júris que viram ambas as versões, em comparação com os júris simulados que viram apenas o vídeo em velocidade regular.
Em síntese, embora o replay de câmera lenta possa ser intuitivamente atraente, a visão em câmera lenta, em comparação com a reprodução na velocidade regular, produz diferenças sistemáticas em julgamentos de intenção. Mesmo quando os jurados veem a ação em ambas as velocidades ainda ocorre um certo viés de intencionalidade. Assim, os benefícios de reprodução de vídeos em julgamentos devem ser pesados tendo em conta os possíveis efeitos de potencializar a falsa impressão de premeditação.
[1] Crédito da imagem: Ssantos (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/en/murder-knife-look-scared-mystery-1472381/.
[2] EM Caruzo et al. Slow motion increases perceived intent. PNAS 113, 9250 (2016).
Como citar este artigo: Claudio Macedo. O efeito câmera lenta no julgamento de intencionalidade de crime. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/09/o-efeito-camara-lenta-no-julgamento-de-intencionalidade-de-crime/. Publicado em 23 de setembro (2016).