Marcelo M. Guimarães
11/09/2016

Imagem da Nebulosa de Orion (M42) obtida com o satélite WISE. [1]
Imagem da Nebulosa de Orion (M42) obtida com o satélite WISE. [1]
A imagem acima mostra grandes nuvens de gás e poeira a partir das quais as estrelas nascem. De forma sucinta, devido à baixa temperatura dessas nuvens (aproximadamente 10 K, ou -263 °C) a gravidade vence a batalha contra a pressão do gás, a turbulência e os campos magnéticos e um colapso gravitacional vai dar origem a um núcleo mais denso. À medida que a densidade desse núcleo vai aumentando o colapso se acelera principalmente nas regiões mais internas, durante um tempo esse colapso é isotérmico, ou seja, a temperatura permanece constante. A partir de um certa densidade um núcleo denso se estabelece e a sua temperatura começa a aumentar, nesse momento chamamos esse objeto de protoestrela. A temperatura no centro desse núcleo vai aumentar à medida que o colapso continua e quando atingir valores da ordem de 107 K o processo de fusão de hidrogênio vai gerar energia suficiente no núcleo para manter uma estrutura estável, caracterizando então esse objeto como uma estrela.

O que acontece se a temperatura no núcleo não atingir temperaturas tão altas? Nossos modelos físicos, corroborados por observações, nos mostram que núcleos com massa menor que 0,08 massas solares nunca atingirão essa temperatura e portanto nunca vão ter fusão nuclear no seu centro. Esses objetos recebem o nome de Anãs Marrons e estão fadadas a resfriar à medida que envelhecem, emitindo luz principalmente em comprimentos de onda na região do infravermelho. Anãs marrons não são planetas gigantes, mas também não são estrelas. Sua estrutura interna se mantém estável e impede o colapso gravitacional graças à degenerescência dos elétrons [2].

Ainda existem perguntas em aberto: qual é a massa que separa planetas gigantes gasosos de Anãs Marrons? quão fria pode ser uma Anã Marrom?

Em um artigo publicado na revista The Astronomical Journal [3], Luhman e colaboradores fizeram diversas observações usando os telescópios espaciais Hubble e Spitzer, o VLT (Very Large Telescope) e o telescópio Gemini de uma Anã Marrom cuja temperatura, na escala Celsius, é negativa! Essa Anã Marrom, identificada com o número WISE-0855-0714, foi descoberta com o satélite WISE [4] por Luhman em 2014 [5], está a uma distância de 2,23 ± 0,04 pc [6] e tem uma temperatura efetiva de 250 K (-23 °C), é a Anã Marrom mais fria já observada. Só foi possível observá-la devido à sua proximidade e à sensibilidade do WISE, que faz observações na região do infravermelho. A baixa temperatura efetiva de WISE-0855-0714 cria um enorme desafio para os modelos atuais que tentam descrever a atmosfera desse tipo de objeto. Nenhum modelo conseguiu ajustar os dados obtidos nas observações de Luhman et al. A idade e a massa desse objeto permanecem incertas, com valores para massa que vão desde 3 a 10 massas de Júpiter e idades entre 1 a 10 bilhões de anos.

Se considerarmos o limite inferior para a massa de  WISE-0855-0714 criamos mais perguntas do que respostas, pois teríamos um objeto com massa planetária vagando sozinho pela Galáxia. Se objetos como esse forem comuns, quanta massa podemos associar a eles? Como essa massa extra, que não vemos, influencia na dinâmica da Galáxia? Qual foi o processo de formação desses objetos? Foram ejetados de sistemas planetários maiores? Formaram-se isoladamente?

À medida que nossos instrumentos ficam mais precisos e sensíveis passamos a enxergar o Universo com novos olhos, colocamos novas peças no quebra-cabeça. Novas descobertas exigem a revisão de modelos antigos e a coragem para mudar o que for necessário.

[1] Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech/UCLA. URL: https://www.nasa.gov/mission_pages/WISE/multimedia/pia16684.html.

[2] A degenerescência dos elétrons está ligada ao princípio de exclusão de Pauli, ou seja, duas partículas com spin semi-inteiro (½) não podem ocupar o mesmo estado quântico. No interior de uma Anã Marrom os elétrons estão ocupando todos os estados possíveis, o que gera uma pressão muito grande, impedindo o colapso gravitacional.

[3] KL Luhman and TL Esplin. The Spectral Energy Distribution of the Coldest Known Brown Dwarf. The Astronomical Journal 152, 78 (2016).

[4] Wide-field Infrared Survey Explorer – WISE. URL: https://www.nasa.gov/mission_pages/WISE/main/index.html.

[5] KL Luhman. Discovery of a ~250 K Brown Dwarf at 2 pc from the Sun. The Astrophysical Journal Letters 786, L18 (2014).

[6] Parsec (pc) é uma unidade de distância utilizada em astronomia, equivale a 3,27 anos-luz.

Como citar este artigo: Marcelo M. Guimarães. Planeta gigante ou Anã Marrom? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/09/planeta-gigante-ou-ana-marrom/. Publicado em 11 de setembro (2016).

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