Matheus Macedo-Lima
22/12/2016
Macacos falantes são coisa de filme… ou será que não? Bem, o fato é que até hoje não há nenhum relato de qualquer primata não-humano capaz de aprender a falar. E acredite se quiser, não foi por falta de tentativas. Cientistas vêm tentando, sem sucesso, ensinar línguas humanas a outros primatas. Por exemplo, a gorila Koko foi treinada por 35 anos e desenvolveu limitada (mas surpreendente) linguagem de sinais em inglês (vídeo aqui), mas nunca linguagem falada. Então, sempre houve o seguinte enigma na ciência: com tantas similaridades genéticas e anatômicas entre os primatas, como apenas o Homo sapiens produz linguagem falada? Seria isso devido a diferenças no aparelho vocal? Ou talvez no cérebro?
Numa tentativa de responder essa pergunta, cientistas desenvolveram um jeito de observar os movimentos da boca e garganta de macacos Rhesus [2]. Os macacos foram filmados com raios x (imagem abaixo) para que se pudesse determinar toda a movimentação possível do aparelho fonador e assim calcular as áreas de cada região. Para que os macacos mudassem as posições da boca e garganta, os cientistas os mostraram outros macacos (para provocar vocalizações), os deram comida ou encararam os macacos e fizeram movimentos com os lábios para provocar a imitação.
Por meio da observação e medição das posições do aparelho fonador foi possível o desenvolvimento de um modelo computacional de alcance de formantes vocais. Em termos gerais, formantes são uma combinação de frequências sonoras que definem os sons. O modelo gerado pelo estudo, mostra que os macacos Rhesus podem ser capazes de produzir muito mais sons do que o que se imaginava!
Comparando o alcance das formantes vocais dos macacos com o de um humano, pôde-se observar uma alta sobreposição dos alcances. Os cientistas preveem que os macacos conseguiriam produzir as 5 vogais comuns a maioria dos alfabetos humanos. A partir do modelo, os pesquisadores sintetizaram como seria a voz de um macaco Rhesus pedindo a sua mão em casamento (som abaixo). Aviso: parece algo tirado de um filme de terror. Não me responsabilizo por possíveis pesadelos.
Esse estudo ajuda a solucionar um dos enigmas da evolução da linguagem sugerindo que as limitações para o desenvolvimento da fala em primatas não-humanos estão no cérebro. O aparelho vocal passou apenas por algumas modificações em humanos para a possibilidade de emissão de sons mais harmoniosos (e menos assustadores), mas já estava pronto para emitir a fala em primatas basais. É bem provável que em primatas mais próximos de nós, como os chimpanzés, o aparelho vocal seja ainda mais similar. Estudar o cérebro desses primatas pode ajudar a detectar especificamente quais áreas cerebrais possibilitam o aprendizado da fala.
Foi só para mim, ou o filme Planeta dos Macacos acaba de se tornar um pouquinho mais possível?
[1] Crédito da imagem: Planet of the apes por abstrusa (Flickr) / Creative Commons (CC BY-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/abstrusa/27227367463/.
[2] WT Fitch et al. Monkey vocal tracts are speech-ready. Science Advances 2, e1600723 (2016).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Macacos falantes? Só falta o cérebro… Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/12/macacos-falantes-so-falta-o-cerebro/. Publicado em 22 de dezembro (2016).
Depois de alguns anos observando que alguns filmes “ficcionam” estudos que estão sendo desenvolvidos no primeiro mundo, passei a fazer o trajeto inverso: sempre que assisto uma ficção, fico imaginando qual estudo está por trás do filme!
Olá Marcos,
Ótima observação! Arrisco dizer que, hoje em dia, essa “engenharia reversa” acontece bastante. Por exemplo, há um estudo claramente inspirado na ideia fictícia (ou teórica) do teletransporte de corpos macroscópicos, banalizados por séries como Star Trek. Escrevi sobre esse estudo aqui: http://www.saense.com.br/2016/03/seu-cerebro-esta-pronto-para-ser-teletransportado/
Obrigado pelo comentário!
O som parece com o que alguns cantores de Metal fazem. Seria bem legal se comunicar com outra especie. Será que a limitação para um animal se tornar pensante (como um humano) está no desenvolvimento do seu jeito de se comunicar?
Oi Antônio,
Esse é um ponto bem curioso e tem intrigado cientistas por décadas. Parece haver uma correlação entre desenvolvimento de linguagem (aprendizado de sons e vocalizações para fins de comunicação) e capacidade cognitiva. Se você pensar nos animais mais “inteligentes” de que se fala, você provavelmente estará também pensando nos únicos que aprendem a “falar”! Golfinhos, elefantes e morcegos são exemplos de mamíferos com altíssima capacidade cognitiva e que também apresentam aprendizado vocal. Não devemos esquecer das aves, como corvos e papagaios, que são tão “inteligentes” quanto muitos mamíferos e também aprendem vocalizações.
Voltando ao seu ponto, não sabemos se há uma relação de causa e consequência ainda, mas parece sim haver uma correlação entre essas duas características (cognição e linguagem).
Obrigado pelo comentário!
A abordagem dá a entender que emitir sons é falar. E não é bem assim. Língua é mais do que vocalizações, pressupõe gramática. A interface com a Linguística traria muito mais poder explanatório à abordagem.
Olá Linguista,
Uma leitura cuidadosa do texto permitirá perceber que é precisamente essa distinção que é feita.
Você alude corretamente a que a linguagem é composta de diversos níveis de organização além dos fonemas (que são o foco do texto), como palavras e sentenças. Presume-se que a estruturação da linguagem é o que falta a todos os animais não-humanos, mesmo aos que apresentam aprendizado vocal.
Seguindo a sua sugestão, abordarei linguística num futuro artigo que trate de um tema mais pertinente.
Obrigado pelo comentário!