Antônio Murilo Macedo
09/12/2016
Máquinas que permitem viagens no tempo sempre ocuparam o imaginário popular. A indústria do entretenimento explorou com enorme sucesso este tema, tendo produzido clássicos como a série de ficção científica “Doctor Who” da televisão britânica BBC, onde o personagem principal viaja pelo universo em uma máquina do tempo que tem a aparência exterior de uma cabine de polícia de Londres da década de 1960. Mais recentemente, na trilogia “Back to the Future” os protagonistas viajam no tempo em uma máquina na forma de um automóvel da marca DeLorean DMC-12. Um aspecto bizarro das viagens no tempo, bastante explorado nos filmes e seriados, é o paradoxo de causalidade, que é bem ilustrado na história de uma pessoa que volta ao passado e mata seu próprio avô, tornando impossível seu nascimento e portanto sua entrada na máquina do tempo. Mas, o que os físicos têm a dizer sobre viagens no tempo? Poderia uma partícula quântica, como um fóton, viajar no tempo e interagir consigo mesma?
Surpreendentemente as equações de Einstein da relatividade geral admitem soluções consistentes que contém laços temporais, ou seja permitem que o sistema afete eventos em seu passado, exatamente como nas viagens no tempo. Estas soluções são denominadas curvas fechadas tipo-tempo (CFT). Há uma expectativa na comunidade científica de que os eventuais paradoxos seriam eliminados pela unificação consistente da relatividade geral com a mecânica quântica, ou até mesmo que as soluções CFT seriam excluídas por algum princípio da teoria unificada. Um passo importante no entendimento deste problema foi dado por Deutsch [2] que propôs um modelo quântico de evolução que elimina todos os parodoxos da CFT através de uma condição entre o passado e o futuro do sistema que impede o envio de sinais superluminares [3]. Estudos teóricos do modelo de Deutsch mostraram que sua inerente não linearidade permitiria fazer coisas impossíveis na mecânica quântica convencional, como violar o princípio da incerteza de Heisenberg [4] e até construir supermáquinas capazes de resolver problemas NP-completos [5].
Recentemente, um grupo de cientistas [6] da Universidade de Queensland na Austrália construíram um dispositivo que simula o comportamento de um fóton que atravessa uma CFT de Deutsch, ou seja eles conseguiram simular o que aconteceria com um fóton que interagisse com ele mesmo no passado. Obviamente não é uma viagem no tempo real, mas no experimento é possível estudar os efeitos extraordinários que o fenômeno real produziria. É equivalente a simular um sistema massa-mola usando um circuito elétrico. No dispositivo, um par de fótons emaranhados [7] é enviado a um circuito ótico que produz estados de polarização arbitrários em cada fóton. Uma interferência ótica é então produzida entre os fótons através de um divisor de feixes de polarização. Os autores mostraram como poderiam usar sua “máquina do tempo” para realizar tarefas que seriam impossíveis pela mecânica quântica linear, como distinguir estados não ortogonais e até mesmo diferenciar formas idênticas de preparação de estados puros.
Apesar de CFT reais ainda serem elusivas do ponto de vista experimental, a sua simulação em laboratório é um resultado expressivo. Ela fornece, entre outras coisas, informação sobre o papel que não-linearidades e estruturas causais desempenhariam em uma teoria unificada da mecânica quântica e da relatividade geral, fornecendo regras rígidas para generalizações consistentes da mecânica quântica. Obviamente, a quebra de criptografia quântica e a construção de supermáquinas capazes de resolver problemas NP-completos seriam aplicações espetaculares da verdadeira máquina do tempo quântica. Sua simulação em laboratório demonstra que talvez ela não seja apenas uma quimera.
[1] Crédito da Imagem: Rooners Toy Photography (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/rooners/17257003996.
[2] D Deutsch. Quantum mechanics near closed timelike lines. Phys Rev D 44 3197 (1991).
[3] Um sinal é dito superluminar se é transmitido com velocidade acima da velocidade da luz.
[4] Pelo princípio da incerteza de Heisenberg, em um sistema físico existem observáveis complementares que não podem ser medidos simultaneamente com precisão arbitrariamente alta. O exemplo mais comum de observáveis complementares é o par posição e momento linear de uma partícula.
[5] Problemas NP-completos são problemas cujas soluções podem ser verificadas rapidamente (em tempo polinomial), mas não há nenhuma forma rápida conhecida de encontrá-las.
[6] Martin Ringbauer et al. Experimental simulation of closed timelike curves. Nature Communications 5, 4145 (2014).
[7] Emaranhamento é um tipo especial de efeito quântico que permite que partículas separadas espacialmente possam exibir correlações fortes.
Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. Simulando uma máquina do tempo quântica. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/12/simulando-uma-maquina-do-tempo-quantica/. Publicado em 09 de dezembro (2016).