Matheus Macedo-Lima
07/12/2016

Camundongos conseguem detectar baixos níveis de oxigênio no ar. [1] ------ PreGamma: 2.455
Camundongos conseguem detectar baixos níveis de oxigênio no ar. [1]
Pare por 2 segundos para pensar quantos aromas diferentes você acha que consegue sentir… Incontáveis, não é? Toda essa variedade é efeito da ativação combinada de 450 diferentes receptores de odorantes na nossa mucosa nasal. Agora imagine que cães possuem cerca de 800 diferentes receptores. Isso explica aquela demorada “inspeção nasal” toda vez que você chega em uma casa com um canino! Mas os cães ainda perdem para os camundongos, que possuem cerca de 1000 desses receptores! Afinal, sendo tão pequenos e opção culinária para muito bicho grande, o melhor é detectar perigo de longe. Mas o que conhecemos sobre o fenomenal arsenal de aromas percebidos por camundongos acabou de incorporar um aroma surpreendente: o oxigênio!

Baixo teor de oxigênio para ser mais exato. Pesquisadores identificaram células no epitélio nasal de camundongos que são ativadas quando o teor de oxigênio cai cerca de 3% em relação ao teor atmosférico [2]. A detecção de aromas comuns é iniciada por neurônios olfatórios chamados de células “tipo-A”, que possuem os tais receptores de odorantes. Porém, há também células “tipo-B” no epitélio nasal de camundongos. A função dessas misteriosas células não era conhecida, apesar de se saber que elas apresentavam um perfil bem diferente das “tipo-A”. Por exemplo, as células tipo-B não expressam nenhum tipo de receptor de odorante e, até esse estudo, nenhuma molécula era conhecida por ativá-la.

Os cientistas desenvolveram um método interessante para esse experimento. Eles cultivaram células tipo-B “in vitro” e injetaram-nas com uma tinta fluorescente. Essa tinta especial aumenta seu brilho quando a concentração de cálcio dentro da célula aumenta – que é o que ocorre quando um neurônio é ativado. Quando o teor de oxigênio do meio de cultura foi baixado, as células tipo-B brilharam mais fortemente.

Então, os pesquisadores identificaram uma proteína essencial para a ativação desses neurônios, chamada de Gucy1b2. Após obter essa informação, eles criaram em laboratório uma linhagem de camundongos mutantes, que não possuíam essa proteína (em termos específicos, um nocaute homozigoto). Nesses mutantes, as células tipo-B não poderiam ser ativadas por baixo oxigênio. Agora a parte interessante: animais não-mutantes conseguiram facilmente memorizar e evitar um local específico de uma caixa que continha baixos níveis de oxigênio, já os mutantes-Gucy1b2 foram incapazes de realizar a mesma tarefa.

Esse estudo mostra um jeito diferente, existente na natureza, de se detectar uma situação de vida-ou-morte. Imagina-se que essa especialização surgiu acompanhando o comportamento de cavar tocas no chão, típico de muitos roedores. Por outro lado, o corpo humano só consegue detectar baixos níveis de oxigênio quando este afeta o sangue, por meio de estruturas nas artérias carótidas e aorta (os corpos carotídeos e aórticos), o que, em muitos casos, pode ser tarde demais. Será que se tivéssemos esse “sexto sentido”, alguém se atreveria a subir o Everest, por exemplo?

[1] Crédito da imagem: LHG Creative Photography (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/16180154@N07/4716413821/.

[2] K Bleymehl et al. A Sensor for Low Environmental Oxygen in the Mouse Main Olfactory Epithelium. Neuron 10.1016/j.neuron.2016.11.001 (2016).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Supernariz: camundongos sentem cheiro de oxigênio Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/12/supernariz-camundongos-sentem-cheiro-de-oxigenio/. Publicado em 07 de dezembro (2016).

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