Matheus Macedo-Lima
04/01/2017
Imagine-se dirigindo pelas ruas da cidade em que você cresceu. De repente, você se depara com um bloqueio numa avenida principal devido a um acidente de trânsito e resolve tomar uma rota alternativa que nunca tomou antes. Ao virar à direita, você sabe que está perpendicular à sua rota e que deve procurar virar à esquerda. Porém, a rua em que você está tem uma curva novamente à direita. Agora você começa a se irritar porque sabe que está indo em direção oposta à sua rota. Finalmente, ao virar à esquerda duas vezes, você sabe que está alinhado e em direção à sua rota e chegará logo. Esse tipo de noção de alinhamento a uma rota é tão natural que nem pensamos muito a respeito. A razão disso é a existência de células no nosso cérebro dedicadas a esse tipo de navegação.
Um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego descobriu neurônios no subículo (parte do hipocampo) de ratos que se ativam quando alinhados a uma rota de um labirinto (figura abaixo), independentemente da direção [2]. Para ter certeza de que os neurônios eram sintonizados às rotas, e não às partes específicas do labirinto, os cientistas giraram em 90 graus o labirinto, mantendo as mesmas “pistas” externas (figuras nas paredes do laboratório, posição das lâmpadas, etc.). Após a rotação a preferência dos neurônios se manteve a mesma. O interessante é que esses neurônios assumem outras funções quando os ratos são colocados fora do labirinto, como em uma arena circular. Alguns desses neurônios se ativam apenas em alguns pontos da arena, outros apenas quando os ratos estão próximos às paredes da arena.
O hipocampo é mais conhecido por ser o centro da formação de memórias. Porém, ele é especializado em memórias com característica espacial (como o local onde as coisas acontecem). A descoberta de células de lugar (place cells) e de células de grade (grid cells), que disparam quando um animal se encontra em pontos específicos de uma arena conferiu aos cientistas May-Britt Moser, Edvard I. Moser e John O’Keefe o prêmio Nobel de medicina e fisiologia de 2014. As células descobertas pelo estudo acima, chamadas de células de eixo (axis-tuned cells), aumentam o conhecimento acerca do repertório do hipocampo para a navegação espacial.
Para nós humanos, no contexto da navegação em ruas por exemplo, essas células provavelmente sintonizam-se a pontos de referência, como a posição do sol, do mar, de ruas ou prédios conhecidos. Parece que o nosso cérebro é o mais sofisticado GPS que possuímos!
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[1] Crédito da imagem: Domínio público.
[2] JM Olson et al. Subiculum neurons map the current axis of travel. Nature Neuroscience 10.1038/nn.4464 (2016).
[3] Crédito da imagem: Matheus Macedo-Lima.
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. O nosso senso de direção conta com neurônios – “GPS”. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/01/o-nosso-senso-de-direcao-conta-com-neuronios-gps/. Publicado em 04 de janeiro (2017).