Hendrik Macedo
30/04/2017

Coração angustiado. [1]
A maior causa de morte em todo o mundo são doenças cardiovasculares. Dados de 2016 da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que cerca de 17,5 milhões de pessoas morrem todos os anos vítimas de doenças cardiovasculares, como derrames e, principalmente, ataques cardíacos. As ações básicas de primeiros socorros às vítimas de um ataque cardíaco são bem difundidas hoje em dia. Naturalmente que quanto mais rápida essas ações forem tomadas maior a chance de salvaguardar a vida da pessoa. Melhor ainda seria poder prevermos antecipadamente a ocorrência de um ataque cardíaco e evitar o complicado e angustiante processo de socorro.

Na tentativa de reconhecer potenciais ataques cardíacos, muitos médicos utilizam métodos do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA), que se baseiam em oito fatores de risco, incluindo-se aí a idade, nível de colesterol e pressão sanguínea. Entretanto, é certo que a quantidade de variáveis a se considerar para que a previsão tenha alta acurácia é consideravelmente maior: medicações em uso, outras doenças, histórico familiar, hábitos de vida, alimentação, tabagismo, etc. Mais que isso, existe uma enorme quantidade de interações nos sistemas biológicos que são humanamente impossíveis de se mapear. Algumas dessas interações são inclusive contra-intuitivas. Felizmente, é exatamente neste tipo de habitat complexo, onde há necessidade de exploração de inúmeras associações, que reside o maior potencial de contribuição da Inteligência Artificial nos últimos tempos.

Em um trabalho recentemente publicado [2], cientistas da Universidade de Nottingham no Reino Unido mostraram que computadores inteligentes podem aumentar significantemente as taxas de sucesso da previsão de ocorrência de um ataque cardíaco. Os pesquisadores compararam o uso dos guias da ACC/AHA com quatro algoritmos de aprendizado de máquina diferentes: Florestas aleatórias, regressão logística, gradient boosting e redes neuronais artificiais. Nenhuma instrução humana especialista foi utilizada. Os dados de treinamento usados para generalização dos modelos de previsão vieram dos registros médicos eletrônicos de mais de 378 mil pacientes no Reino Unido. Além dos 8 fatores de risco tradicionalmente utilizados, os algoritmos utilizaram outros 22, incluindo etnia, artrite e problema renal. O objetivo foi o de detectar padrões nos registros que sugerissem eventos cardiovasculares. Utilizando dados de registros do ano de 2005, eles testaram os modelos criados para prever que pacientes iriam ter seu primeiro evento cardiovascular nos 10 anos seguintes. Por fim, os pesquisadores compararam os resultados da previsão com os dados dos registros médicos do ano de 2015 (ou seja, dez anos após).

O melhor dos quatro modelos treinados, as redes neuronais artificiais, conseguiram prever corretamente 7,6% mais eventos que o método ACC/AHA e reduziu em 1,6% os alarmes falsos. No conjunto de teste utilizado, a estimativa é que esse resultado significaria 355 vidas que teriam sido salvas, uma vez que a probabilidade da ocorrência de um evento significa aplicação de medidas preventivas, como mudança na dieta, diminuição do sedentarismo, medicações de controle do colesterol e da pressão sanguínea, entre outras. O trabalho contribuiu ainda em identificar quais variáveis foram as mais importantes para a taxa de previsão. Boa parte delas não estão presentes no guia ACC/AHA, como por exemplo doença mental grave e uso de corticosteroides orais. Trabalhos futuros do grupo incluem aumento da base de dados para treinamento dos modelos e inclusão de fatores genéticos dentre as variáveis a serem consideradas.

Modelos de aprendizado como as redes neuronais artificiais possuem um já conhecido “porém”: não é possível compreender claramente o “como” de seu funcionamento. Ou seja, sabemos do bom desempenho da máquina se comparado ao especialista humano em variados domínios, mas em todos eles desconhecemos completamente as regras que a rede criou internamente para tomar a decisão. E agora? Confiar na máquina amparando-se pragmaticamente nos grandes resultados obtidos diante de regras de decisão obscuras ou confiar no especialista com menor performance mas de regras de decisão bastante claras? Para outros exemplos de dilemas semelhantes veja “Se meu Fusca andasse… sozinho!” e “Que tal ser julgado por uma máquina?“.

[1] Crédito da imagem: Mari Antoneag (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/pt/coração-pensativo-meditativo-2081681/.

[2] SF Weng et al. Can machine-learning improve cardiovascular risk prediction using routine clinical data? PloS One 12, e0174944 (2017).

Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Cuide-se! Eu prevejo um ataque cardíaco dentro de 10 anos. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/04/cuide-se-eu-prevejo-um-ataque-cardiaco-dentro-de-10-anos/. Publicado em 30 de abril (2017).

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