Ana Maia
15/01/2018

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A taquicardia ventricular é uma doença cardíaca comum e que é responsável por um grande número de mortes por ataque cardíaco. Pacientes com taquicardia ventricular persistente precisam ser medicados e muitas vezes precisam passar por procedimentos invasivos de ablação por cateter para “queimar” a região de origem da taquicardia. Além disso, em muitos dos casos, é preciso colocar um cardioversor desfibrilador implantável (CDI) que age como um desfibrilador automático, dando “choques” para reverter um evento de taquicardia ventricular [2]. E quando os eventos constantes de taquicardia não somem mesmo com o CDI implantado e com uso regular de medicação? Até então, os pacientes não tinham outra saída a não ser se submeter frequentemente a procedimentos de ablação e conviver com os “choques” frequentes do CDI. Mas, pesquisadores da Washington University School of Medicine tiveram uma ideia e parece que foi genial! [3, 4]

Embora a pesquisa publicada seja baseada em uma amostra muito pequena, os resultados mostram números que são difíceis de ignorar. A ideia principal é criar uma nova forma de fazer a ablação, de forma rápida, mais eficiente e, sobretudo, não invasiva, usando a técnica da Radioterapia Estereotáxica [5]. Até então, o coração era um dos órgãos críticos durante tratamentos de radioterapia, e a tarefa era sempre evitar irradiá-lo. Mas parece que haverá boas razões para colocar o coração no centro do campo de radiação.

O estudo foi feito com 5 pacientes, todos com CDI. Além disso, todos os selecionados eram pacientes que não responderam satisfatoriamente ao tratamento convencional e que continuavam apresentando eventos de taquicardia ventricular. Todos tinham tido, pelo menos, três episódios de arritmia tratada pelo CDI, nos últimos três meses antes do procedimento com radiação, mesmo com o uso de, pelo menos, 2 tipos de medicamentos antiarrítmicos. Três deles já tinham passado por, pelo menos, um procedimento de ablação por cateter. Os outros dois não tinham indicação clínica para o procedimento invasivo por conta de riscos associados a outras condições clínicas. Um dos pacientes estava na fila do transplante. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FE), que é uma forma de avaliar a capacidade de bombeamento do coração, dos cinco pacientes também estava reduzida. O normal é uma FE superior a 55% e os pacientes tinham FE entre 15% e 37%. Resumindo: um grupo pequeno, mas com condição clínica extremamente grave, condenados a conviver com uma doença com grande potencial letal.

Os números da pesquisa são apresentados em três períodos: (1) os três meses anteriores ao procedimento de ablação por radiação; (2) um período de recuperação de 6 semanas após o procedimento, no qual episódios de taquicardia são esperados devido à inflamação pós-ablação; (3) um período de 10,5 meses, do final do período de recuperação até completar 1 ano do procedimento. Em números gerais, foram observados 6577 episódios no período 1, 680 no período 2 e apenas 4 no período 3. Ou seja, uma diminuição de 99,9% nos eventos de taquicardia ventricular.

Contudo, para um melhor entendimento da pesquisa, é preciso detalhar um pouco mais números, visto que a amostra era composta de pacientes em condições muito díspares. Um dos pacientes, o mais idoso, de 83 anos, com uma condição clínica delicada, teve 4321 eventos no período 1 e 322 no período 2 até o seu óbito no final da terceira semana devido a um derrame. Até a sua morte, a frequência de eventos de taquicardia tinha diminuído em 82% e sua fração de ejeção do ventrículo esquerdo tinha aumentado de 15% para 30%. O segundo paciente com mais eventos no período 1 (2210) teve uma redução significativa no período 2 (355), mas o número de eventos foi considerado ainda alto e ele foi submetido a mais um procedimento de ablação por cateter. Este paciente já tinha feito 4 procedimentos de ablação por cateter, e continuava com eventos de taquicardia ventricular frequentes. Após a combinação de ablação por radiação com uma posterior ablação por cateter, o paciente passou o período 3 sem medicação e sem nenhum evento de taquicardia.

Os números dos outros três pacientes são menores, mas mesmo assim significativos. Eles tiveram somados 55 eventos no período 1 (3 meses) (no qual estavam medicados com 2 ou 3 medicamentos antiarrítmicos), e tiveram apenas 3 eventos no período 2 (6 semanas) e 4 no período 3 (10,5 meses). Um deles, após o primeiro evento de taquicardia, no nono mês, retomou uma das medicações. Os outros dois permaneceram sem medicação até o final do período relatado no estudo.

Os números, gerais ou detalhados, mostram que todos os pacientes tiveram redução do número de eventos de taquicardia logo após o procedimento e tiveram redução ou suspensão completa dos medicamentos antiarrítmicos.

É claro que é cedo para garantir que é uma técnica tão eficiente quanto estes primeiros números nos levam a crer, e que é de fato segura. Até agora, não foram observados efeitos adversos associados à toxicidade da radiação ou redução da FE. Contudo, efeitos de longo prazo ainda precisam ser investigados e a amostra precisa crescer e diversificar. Apesar disso, não se pode negar que os números iniciais impressionam e fica a torcida para que a saída deste problema grave seja uma técnica já disponível e disseminada.

[1] Crédito da imagem: geralt (Pixabay) / Creative Commons CC0. https://pixabay.com/pt/cora%C3%A7%C3%A3o-curva-deus-o-aben%C3%A7oe-665186/.

[2] Wikipédia. Taquicardia ventricular. https://pt.wikipedia.org/wiki/Taquicardia_ventricular. Acesso em 14 de janeiro (2018).

[3] JE Strait. Deadly heart rhythm halted by noninvasive radiation therapy. Washington University School of Medicine in St. Louis. https://medicine.wustl.edu/news/deadly-heart-rhythm-halted-noninvasive-radiation-therapy/. Publicado em 13 de dezembro (2017).

[4] PS Cuculich et al. Noninvasive Cardiac Radiation for Ablation of Ventricular Tachycardia. N Engl J Med 10.1056/NEJMoa1613773 (2017).

[5] A Radioterapia Estereotáxica, comumente conhecida como radiocirurgia, é uma técnica de irradiação que entrega doses altas de radiação em posições muito precisas. Para mais informações: Wikipedia. Stereotactic radiation therapy. en.wikipedia.org/wiki/Stereotactic_radiation_therapy. Acesso em 14 de janeiro (2018).

Como citar este artigo: Ana Maia. Irradiando o coração para salvar pacientes graves. Saense. http://www.saense.com.br/2018/01/irradiando-o-coracao-para-salvar-pacientes-graves/. Publicado em 15 de janeiro (2018).

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