Marcus Eugênio Oliveira Lima
01/03/2018
No dia 18 de julho de 2012 três policiais militares, numa abordagem de rotina em São Paulo, mataram o publicitário negro Ricardo Prudente Aquino, 42 anos, porque confundiram seu telefone celular com uma arma. Em 29 de outubro de 2015, desta vez no Rio de Janeiro, dois jovens negros trafegavam numa moto, um deles segurando um macaco hidráulico, quando se depararam com policiais militares numa ronda de rotina, um dos policiais confundiu o objeto com uma arma e atirou contra o rapaz, o piloto perdeu o controle, a moto bateu contra um muro e os dois ocupantes morreram. Poderíamos relatar muito mais casos do cotidiano brasileiro em que a cor da pele das pessoas interfere na tomada de decisões extremas por parte dos agentes da segurança pública.
Analisamos em três estudos o impacto da cor da pele dos suspeitos na decisão de atirar de cidadãos comuns (civis) e de policiais militares no Brasil. Nos três estudos utilizamos o Jogo “The Police Officer’s Dilema”, desenvolvido por Joshua Correll, um pesquisador norte-americano, e sua equipe em 2002. Trata-se de um videogame no qual aparecem indivíduos brancos e pretos, um de cada vez, portando armas ou objetos neutros (telefone celular, carteira ou isqueiro). Os participantes devem decidir entre atirar quando o indivíduo está armado e não atirar quando ele está desarmado. A decisão deve ser tomada em menos de um segundo, caso ela não ocorra o jogo bloqueia a tarefa e passa para a próxima cena [2].
As variáveis consideradas foram a cor da pele dos suspeitos, o tempo para tomar a decisão de tiro e os erros de decisão (i.e., não atirar em indivíduos armados e atirar em indivíduos desarmados). No primeiro estudo participaram 97 estudantes universitários brancos, de ambos os sexos, a maior parte deles de um curso de Direito (28.7%). O segundo estudo foi feito com 60 Policiais Militares (PMs) de sexo masculino, brancos, pardos e pretos, todos com três meses de ingresso na polícia. No terceiro estudo tomaram parte 58 PMs, de sexo masculino, brancos, pardos e pretos, todos com mais de dez anos de atuação policial e integrantes de batalhões especializados de combate ao crime.
Os resultados dos três estudos indicam que os participantes foram mais rápidos para atirar nos pretos armados que nos brancos armados. Os estudantes universitários e os PMs em formação foram também mais lentos para tomar a decisão de não atirar nos pretos desarmados que nos brancos desarmados. Em relação aos erros de julgamento, verifica-se que apenas os estudantes universitários cometeram mais erros de não atirar contra os brancos armados que contra os pretos armados. Importante ainda referir que a cor da pele dos participantes não influenciou o “viés do atirador”. Ou seja, encontramos nos três estudos uma maior facilitação da decisão de tiro quando o “suspeito” é preto que quando ele é branco; sendo esse fenômeno mais forte para estudantes universitários, seguidos dos policiais em treinamento e, finalmente, dos policiais já treinados.
Esses resultados, que confirmam os encontrados em outros países, podem ser explicados considerando a violência estrutural, que no Brasil se manifesta nas desigualdades sociais e econômicas entre brancos e negros, e que produz e alimenta o estereótipo cultural que associa pobreza, cor da pele e violência, fomentando um racismo, também estrutural, que atinge a todos: policiais e civis. Também, consideramos que o treino pode ser um mecanismo eficiente de controle dos impactos dos estereótipos nas tomadas de decisão. Todavia, sendo os policiais os operadores da violência oficial do Estado, eles estão autorizados a tomar, em fração de segundos, decisões de vida e de morte. Assim, torna-se urgente criar mecanismos institucionais de combate aos estereótipos a fim de evitar na formação de civis e policiais o automatismo da associação entre crime e cor no Brasil. [3]
[1] Crédito da imagem: Universidade do Colorado. http://psych.colorado.edu/~jclab/FPST.html.
[2] Maiores detalhes sobre o videogame podem ser vistos em http://psych.colorado.edu/~jclab/FPST.html.
[3] A versão integral desse trabalho conta com a participação de Camilla Lima de Araujo e Emília Silva Poderoso: MEO Lima et al. The Decision to Shoot Black Suspects in Brazil: The Police Officer’s Dilemma. Race and Social Problems 10.1007/s12552-018-9225-5 (2018).
Como citar este artigo: Marcus Eugênio Oliveira Lima. “Se for preto atire primeiro”. Saense. http://www.saense.com.br/2018/03/se-for-preto-atire-primeiro/. Publicado em 01 de março (2018).
Excelente texto. Parabéns.
Obrigado Marcelo!
Professor, poderia facilitarme um correo electronico para entrar em contacto com você?
Obrigada, Julieta.