Matheus Macedo-Lima
25/07/2018
Todo mundo com certeza já passou ou passará por momentos emocionais difíceis. Um relacionamento que termina, a perda de um emprego ou de um ente querido… um tema comum a esses eventos é uma reação emocional “de corpo inteiro”. Em outras palavras, parece que tudo dói. E dói de verdade! Por exemplo, dores musculares e articulares, baixa imunidade, alterações hormonais e principalmente perda de apetite são sintomas clássicos de estresse emocional.
O cientista americano Walter Cannon – famoso por cunhar o termo “reação de luta-ou-fuga” – comenta que “o desejo por comidas e bebidas, o prazer de os consumir, todos os prazeres sobre a mesa são insignificantes na presença de raiva ou grande ansiedade” [2]. Conseguiu se identificar?
O extremo da perda de apetite é uma importante doença psiquiátrica chamada anorexia nervosa, que aflige cerca de 2% da população feminina e se manifesta por perda de apetite extrema e duradoura frequentemente associada a ansiedade.
Além disso, o efeito de perder o apetite por razões emocionais ocorre em basicamente todos os animais e é geralmente um dos primeiros sinais observados quando o seu animalzinho-de-estimação não está bem.
A importância desse fenômeno levou pesquisadores a tentar encontrar a conexão entre apetite e estados emocionais no cérebro. Um grupo de cientistas da Universidade de Washington descobriu um grupo de neurônios no cérebro que faz justamente isso: reduz o apetite quando o indivíduo está numa situação estressante [3].
Tamanha foi a importância desse trabalho, que foi publicado na revista científica mais prestigiada do mundo, a Nature. Vamos entender como essa descoberta fenomenal se deu?
Já se conhecia essa “turminha” especial de neurônios numa área do cérebro chamada núcleo para-braquial (localizado na ponte cerebral). Sabia-se que esses neurônios controlavam o apetite, mas um fato que intrigava os cientistas era que essas células se comunicavam com áreas do cérebro relacionadas à ansiedade e à percepção de dor.
Apetite, dor e ansiedade… será que eles estavam no caminho certo? Alerta de spoiler: sim!
Agora a estratégia: os cientistas infectaram os neurônios dessa área com um vírus modificado. Tal vírus fez com que os neurônios fabricassem temporariamente uma proteína fluorescente quando eles eram ativados. Mas como observar essa atividade em tempo real? Simples, basta implantar um mini-microscópio ultraleve nos camundongos! Agora com “um olho” nesses neurônios, os camundongos foram colocados para trabalhar.
Inicialmente, os cientistas verificaram que esses neurônios se ativavam em resposta a vários tipos de situações dolorosas e também em resposta à memória de uma situação dolorosa (indicativo de ansiedade). A parte mais legal é que os cientistas também testaram se o “medo” de comer coisas novas (neofobia alimentar) também ativaria esses neurônios, o que possibilitaria uma unificação das duas funções dessas células (apetite e ansiedade) e a resposta foi “sim”! Comidas com gosto e cor diferente ativavam esses neurônios, mas só enquanto os animais não se acostumavam com a comida. Ao inibir esses neurônios assim que a comida nova era apresentada, fazia com que os animais comessem mais.
Esse estudo nos ensina bastante a respeito de como estados emocionais podem controlar o apetite. Será interessante que estudos futuros comprovem a função dessa área em humanos, pois isso pode beneficiar o tratamento de doenças como a anorexia. A área do cérebro estudada acima parece ser um alvo ideal para o seu tratamento.
[1] Crédito da imagem: Benjamin Watson (Flickr), CC BY 2.0. https://www.flickr.com/photos/schnappischnap/8970182946.
[2] D Purves et al. Physiological Changes Associated with Emotion, in Neuroscience, 2nd ed., Sunderland (MA) (2001).
[3] CA Campos et al. Encoding of danger by parabrachial CGRP neurons. Nature 555, 617 (2018).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Um neurônio que regula o apetite e a ansiedade. Saense. http://saense.com.br/2018/07/um-neuronio-que-regula-o-apetite-e-a-ansiedade/. Publicado em 25 de julho (2018).
Gostei muito do tema.
Espero que influencie cada vez mais pesquisas nessa área.
Obrigado pelo comentário, Patrícia. Somos dois com essa expectativa!