Luana Mendonça
01/10/2018

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Apesar de existirem vários membros da espécie humana que também se alimentam das lágrimas alheias (em sentido figurativo), não falaremos sobre isso nesse texto, pois eu nunca terminaria de escrever pelo tanto que esse assunto renderia. Vamos falar então de uma relação considerada rara (ou talvez apenas não muito relatada) entre duas outras espécies animais (sim, seres humanos são animais, se conforme), uma mariposa (Gorgone macarea) e um pássaro (solta-asa-do-norte, Hypocnemoides melanopogon).

O ecólogo Leandro Moraes estava a noite no meio de uma expedição dentro da floresta amazônica quando se deparou com uma cena interessantíssima, um pequeno pássaro descansando em um galho enquanto uma mariposa ‘bebia’ suas lágrimas (Figura acima) [1]. Esse registro é o segundo de mariposa se alimentando de pássaros para a América Latina e o terceiro no mundo. Outros registros de lacrimofagia (hábito de se alimentar de lágrimas) envolvendo mariposas e mamíferos, tartarugas e crocodilos também são relatados em outros locais no mundo. Na ocasião, o pesquisador observou dois pássaros diferentes na mesma noite com mariposas se alimentando das lágrimas.

Aparentemente, esse hábito envolve uma complementação da alimentação com as lágrimas fornecendo nutrientes como sódio e proteínas. A espécie de mariposa em questão, tem uma probóscide (aparelho bucal) muito longo, o que facilita o hábito de sugar as lágrimas, pois permite que a mariposa fique parada em um local que incomode menos o pássaro enquanto se alimenta das suas lágrimas. Segundo o artigo, os pássaros não teriam benefício nenhum nessa relação e só ‘estariam permitindo’ que a mariposa se alimentasse de suas lágrimas, pois durante a noite, o metabolismo das aves diminui e elas entram em um estado de dormência. Ainda segundo o autor, as mariposas poderiam estar preferencialmente selecionando esses pássaros em estágio de dormência noturna para se beneficiar das suas lágrimas e que, longe de ser uma boa coisa para a ave, a lacrimofagia poderia aumentar a chance de uma doença nos olhos.

No fim do artigo o autor levanta um questionamento sobre quais os nutrientes que estariam sendo ingeridos pela mariposa a partir das lágrimas das aves já que poucas espécies de mariposa são capazes de digerir proteínas. Obviamente essa mariposa quer muito mais do que importunar o sono do coleguinha! O autor também convida outros pesquisadores e não pesquisadores para colaborar no esforço de observação, principalmente nas florestas neotropicais.

As relações entre espécies é uma regra, todos os organismos vivos precisam interagir com outros organismos, de diferentes formas, para sobreviver. Esse caso é um exemplo bem curioso e até divertido de interação, mas deixo aqui o recadinho de que, quando falamos da relação humano-humano, não é legal se alimentar da lágrima do outro (principalmente porque a maior parte dessas lágrimas são geradas por sofrimento).

[1] LJCL Maroes. Please, more tears: a case of a moth feeding on antbird tears in central Amazonia. Ecology 10.1002/ecy.2518 (2018).

Como citar este artigo: Luana Mendonça. As lagrimas de um são o alimento do outro… literalmente! Saense. http://saense.com.br/2018/10/as-lagrimas-de-um-sao-o-alimento-do-outro-literalmente/. Publicado em 01 de outubro (2018).

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