Agência FAPESP
29/11/2018
A partir da década de 1950, o Brasil se tornou um país predominantemente urbano. De acordo com o censo de 2010, 84,4% da população vivia em áreas urbanas e 15,6% em zonas rurais. Mesmo na nova classificação proposta em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na publicação Classificação e características dos espaços rurais e urbanos do Brasil – uma primeira aproximação, 76% da população do país se concentra em áreas predominantemente urbanas.
Quando se fala em desigualdades socioespaciais nas cidades, é comum lembrar das diferenças marcantes entre bairros de duas maiores cidades do país: a periferia e os Jardins em São Paulo; os morros e a zona sul no Rio de Janeiro. O crescimento das cidades brasileiras, no entanto, tem reproduzido grandes desigualdades também em cidades médias. Trata-se de um fenômeno recente e que é o objeto de estudo do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR).
“As desigualdades socioespaciais caracterizam a urbanização na América Latina, um subcontinente onde as cidades revelam e reproduzem sua própria história de desigualdades econômicas, políticas e culturais. Considerando essa realidade como um processo geral, estudamos suas particularidades em cidades médias, entendidas como um estrato da rede urbana e como um espaço para articulações em múltiplas escalas geográficas no período contemporâneo, de globalização”, disse Eliseu Savério Sposito, pesquisador do GAsPERR e professor titular na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Presidente Prudente.
Sposito foi um dos palestrantes na FAPESP Week New York, que se realiza de 26 a 28 de novembro no Graduate Center da City University of New York (CUNY).
“Para investigar a questão da desigualdade em cidades médias utilizamos o consumo, associado ao papel do crédito, como um nível de compreensão do processo de produção e de consumo no espaço urbano, com foco na segregação e na autossegregação, para mostrar como isso converge para um processo maior e mais complexo que chamamos de fragmentação socioespacial”, disse Sposito. E explicou esses conceitos.
“A segregação quebra as relações entre as pessoas. Ela se constitui em uma ordem totalitária, cujo objetivo estratégico é romper a totalidade concreta para destruir o urbano. A segregação complica e destrói a complexidade”, disse Sposito citando o autor desta conceituação, o sociólogo e filósofo francês Henri Lefebvre (1901-1991).
A autossegregação, explicou Sposito, seguindo a definição do geógrafo Roberto Lobato Corrêa, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, surge quando grupos com melhores condições (brancos na África do Sul ou pessoas mais ricas na América Latina, por exemplo) optam pelo isolamento em relação a toda a cidade que, para eles, é o “espaço dos outros e, portanto, não de todos”.
Por fim, a fragmentação socioespacial é “caracterizada por uma ruptura parcial ou absoluta entre partes da cidade, na forma de planos sociais, econômicos e políticos”, segundo o geógrafo francês Philippe Gervais-Lambony, professor na Université Paris Nanterre.
“As pesquisas que conduzimos em nosso grupo seguem uma metodologia qualitativa e quantitativa, dando voz aos cidadãos para entender como as mudanças vigentes modificam suas práticas espaciais, tomando como referência os pontos de vista dos agentes que têm poderes econômicos e políticos, elementos que revelam a substância dos indicadores socioeconômicos”, disse Sposito à Agência FAPESP.
As investigações de Sposito e colegas têm sido divididas em fases e projetos, a maioria com apoio da FAPESP. De 2006 a 2011, o projeto foi denominado “O mapa da indústria no início do século 21: diferentes paradigmas para a leitura territorial da dinâmica econômica no estado de São Paulo”, um Temático FAPESP coordenado por Sposito.
Os pesquisadores investigaram a dinâmica da desconcentração industrial em direção ao interior do estado que criou eixos de desenvolvimento no entorno de cidades como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Araçatuba, Marília e Bauru. Observaram que a importância econômica que o interior conquistou não foi uma concessão da Região Metropolitana de São Paulo.
Muitas cidades médias se tornaram grandes centros de consumo e tiveram um papel pró-ativo na atração de indústrias e negócios. O projeto rendeu um livro com o mesmo título do projeto, organizado por Sposito e lançado em 2015, pela Editora da Unesp.
Consumo em cidades médias
Outro Projeto Temático FAPESP foi “Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo”, conduzido de 2012 a 2018 com coordenação de Maria Encarnação Beltrão Sposito, professora titular na FCT-Unesp.
O projeto investigou as lógicas econômicas de empresas que, desde a década de 1990, enxergaram nas cidades médias do interior de São Paulo um mercado consumidor a ser explorado. Essas empresas, ao se instalarem nas cidades do interior, redefinem a sua posição na rede urbana e reestruturam seu espaço urbano, com desdobramentos nos hábitos de consumo das pessoas. Os pesquisadores estudaram a distribuição de filiais de empresas e de shopping centers nesses municípios e como isso cria novas áreas de consumo disputadas por públicos diferentes.
“Produzimos mapas de cidades do interior paulista que mostram a classificação das áreas por rendimento, a localização de condomínios fechados, onde se consome mais (e menos), e a distribuição de serviços e de áreas de lazer”, disse Beltrão Sposito, que também participa da FAPESP Week New York.
Resultados deste Temático serão publicados no livro Consumo, Crédito e Direito à Cidade, com lançamento previsto para o início de 2019 pela Editora Apris.
Paralelamente ao primeiro Temático, outro projeto financiado pela FAPESP resultou no livro Espaços fechados e cidades – insegurança urbana e fragmentação socioespacial (2013), de Beltrão Sposito e Eda Maria Góes, também professora na FCT-Unesp.
Os pesquisadores investigaram causas e consequências da implantação de condomínios fechados residenciais de acesso controlado em Presidente Prudente, Marília e São Carlos.
“O trabalho, que ganhou o prêmio bienal de melhor livro pela Associação Nacional de Pesquisa Urbana e Regional (Anpur), indica que novas estruturas espaciais têm levado à redefinição das relações entre centro e periferia e também das práticas espaciais dos habitantes das cidades, revelando novas relações entre a sociedade e o espaço, em cidades crescentemente marcadas por muros visíveis e invisíveis”, disse Beltrão Sposito à Agência FAPESP.
O projeto de pesquisa em andamento atualmente no GAsPERR, que acaba de se iniciar e é outro Temático FAPESP, é o “Fragmentação socioespacial e urbanização brasileira: escalas, vetores, ritmos e formas – FragUrb” , também coordenado por Beltrão Sposito.
O projeto visa compreender, no plano da cidade e do urbano, como a lógica socioespacial fragmentária altera o conteúdo da diferenciação e das desigualdades, redefinindo os sentidos do direito à cidade.
“Para conduzir a pesquisa foram eleitas cinco dimensões empíricas a partir das quais o processo de fragmentação socioespacial será analisado: habitar, trabalhar, consumir, lazer e mobilidade.
“Serão estudadas cidades de diferentes formações socioespaciais: Chapecó (SC), Dourados (MS), Ituiutaba (MG), Marabá (PA), Maringá (PR), Mossoró (RN), Presidente Prudente (SP), Ribeirão Preto (SP) e São Paulo (SP), além de cidades pequenas vinculadas a estas e que serão identificadas no decorrer da pesquisa”, disse Beltrão Sposito. [2]
[1] Crédito da imagem: Mark Pegrum (Flickr), CC BY-SA 2.0.
https://www.flickr.com/photos/ozmark17/36137998732.
[2] Esta notícia científica foi escrita por Heitor Shimizu.
Como citar esta notícia científica: Agência FAPESP. Cidades médias com grandes desigualdades. Texto de Heitor Shimizu. Saense. http://www.saense.com.br/2018/11/cidades-medias-com-grandes-desigualdades/. Publicado em 29 de novembro (2018).