UFSC
17/04/2019
Uma descoberta realizada por equipe de pesquisa internacional, com a participação de pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pode sugerir novos caminhos para o tratamento de câncer e de doenças autoimunes. O estudo que foi publicado no final de 2018 na revista Nature (2018), revela que a atividade de células imunes, em particular das células T, pode ser manipulada para aumentar a imunidade contra o câncer ou bloquear doenças autoimunes, como alergia ou colite.
A publicação na Nature tem coautoria da professora Alexandra Latini, do Departamento de Bioquímica do Centro de Ciências Biológicas, da pós-doutoranda Débora da Luz Scheffer e da doutoranda Bruna Lenfers Turnes, todas vinculadas ao Laboratório de Bioenergética e Estresse Oxidativo (LABOX) da UFSC.
As células T participam na resposta imune e detectam proteínas estranhas presentes, por exemplo, em patógenos – assim que as encontram, as células T proliferam para combater as ameaças ao organismo. Porém, um problema comum é que as células T podem ser direcionadas contra as próprias proteínas do corpo, levando a reações alérgicas e doenças autoimunes. “Em contrapartida, um câncer consegue se desenvolver porque nossas células imunológicas normais não o reconhecem como inimigo”, afirma a professora Alexandra Latini.
No estudo da Nature, os pesquisadores mostram que a BH4 (molécula solúvel sintetizada por todas as células do organismo) controla a proliferação das células T, e que, se a produção de BH4 é bloqueada, a atividade delas é diminuída, “fato que seria necessário em doenças que cursam com processos inflamatórios crônicos, como a colite”, diz Latini. Por outro lado, se a produção de BH4 na célula T é estimulada, a atividade antitumoral também é impulsionada. “O trabalho mostrou, que o bloqueio genético ou farmacológico da síntese de BH4 limita a proliferação e infiltração de células T maduras em condições inflamatórias. As modificações na biologia da célula T induzidas pelo bloqueio na síntese de BH4 envolveram alterações na função mitocondrial e no metabolismo do ferro. No entanto, um aumento na agressividade das células T foi observado quando a via metabólica da BH4 foi ativada geneticamente, provocando um aumento de atividade antitumoral”, explica a professora.
O estudo ainda desenvolveu um composto protótipo para inibir a produção de BH4, que servirá de base para a geração de um fármaco para ser testado em pacientes. “Estes achados mostram que a via metabólica da BH4 pode também se tornar em substrato de novos fármacos para tratar doenças autoimunes, inflamatórias crônicas ou câncer”, aponta a pesquisadora.
O grupo de pesquisa do LABOX, coordenado por Alexandra Latini, dedica-se ao estudo da biologia da BH4 há mais de dez anos: “A interface dor, imunidade e câncer foi possível pela ativa participação dos membros do LABOX, que contribuíram neste estudo desde a elaboração dos desenhos experimentais, a execução e a interpretação de experimentos relacionados com o metabolismo de BH4 e função mitocondrial”. E continua: “Isso foi possível pelo amplo domínio e conhecimento da via metabólica dos pesquisadores do Brasil, por termos descoberto um biomarcador que permite seguir com alta sensibilidade e especificidade o grau de inibição da produção de BH4, a sepiapterina, e fundamentalmente, por contar com pós-graduandos comprometidos com o avanço da ciência”.
A autoria sênior do trabalho da Nature foi de Clifford Woolf, da Harvard Medical School (EUA), e Josef Penninger, do Institute of Molecular Biotechnology (IBMA, Áustria). Além destas instituições e da UFSC, participaram do artigo pesquisadores do Boston Children’s Hospital, Johannes Gutenberg University Mainz, Medical University of Innsbruck, École Polytechnique Fédérale de Lausanne, University of Oxford, Research Institute of Molecular Pathology, Max Planck Institute for Metabolism Research, Université Laval, Karolinska University Hospital, Johns Hopkins School of Medicine, Apeiron Biologics, Quartet Medicinee Université de Montréal. O trabalho levou oito anos para ser finalizado, foi iniciado pelo pesquisador Shane Cronin do IBMA e está competindo como melhor publicação na Academia de Ciências da Áustria.
Contribuições
O grupo do LABOX contribui com diversas publicações sobe os efeitos fisiológicos da BH4. A defesa de tese da doutoranda Bruna Lenfers Turnes, “Papel do metabolismo da tetraidrobiopterina na fisiopatologia da dor inflamatória”, inclui apresentação de parte de artigo publicado na revista Nature. A defesa será no dia 17 de abril, às 9h, na sala SIPG15, do Bloco D do novo prédio do Centro de Ciências Biológicas. Turnes tem orientação de Alexandra Latini e do professor Nicholas Arthur Andrews, da Harvard Medical School (também co-autor do trabalho da Nature).
Alexandra Latini lembra que “a BH4 tem sido tradicionalmente reconhecida como um componente essencial e obrigatório para a atividade de enzimas que permitem o metabolismo de aminoácidos, síntese neurotransmissores e de óxido nítrico. Por exemplo, o teste do pezinho, realizado em todo recém-nascido identifica doenças que podem ser causadas por falha na síntese de BH4, como a fenilcetonúria atípica. Ainda, a importância da BH4 para nosso organismo foi reconhecida pela concessão do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1988 para pesquisadores que identificaram ao óxido nítrico como una molécula mensageira no sistema cardiovascular”.
Entre as novas propriedades fisiológicas do metabolismo BH4 identificadas pelo LABOX podem ser destacadas as características antioxidantes, anti-inflamatórias, ativadoras mitocondriais e facilitadoras da memória. “Estes trabalhos contaram com a ativa participação de alunos de mestrado e doutorado dos Programas de Pós-Graduação da UFSC em centros internacionais de excelência em neurociências”, diz Latini, citando o INSERM (França), Macquarie University (Austrália), IPMONT (Uruguai), Universidad Nacional de Córdoba (Argentina), Universidad de Chile, e a Université de Montréal (Canadá).
Em parceria com a Harvard Medical School, onde Alexandra Latini é professora visitante, foi descrita uma nova propriedade do metabolismo da BH4 que “envolve a geração de concentrações excessivas e patológicas de BH4 no sistema de nocicepção”. O grupo descreveu que “altas concentrações de BH4 em tecidos e fluidos participam na dor neuropática, e o bloqueio farmacológico pelo uso de inibidores específicos, além de normalizar essas concentrações, também induzem analgesia”, afirma Latini.
O grau de analgesia foi seguido com alta especificidade e sensibilidade pela quantificação de outro intermediário metabólico da via da BH4, chamado de sepiapterina. “A descoberta deste marcador de analgesia (biomarcador de dor) foi publicado na conceituadíssima revista Neuron com a participação essencial de outro membro do LABOX, doutoranda na época, e hoje professora do Programa de Pós-Graduação e Biociências e Saúde, da UNOESC, Campus de Joaçaba, Aline Pertile Remor”, conta Latini.
A possibilidade de contar com este biomarcador abre novas e inovadoras estratégias terapêuticas para tratar a dor crônica, inexistente até o momento. “A experiência de sentir dor é muito subjetiva e pessoal e até o presente não existe nenhum teste clínico nem bioquímico que permita quantificar e localizar a dor crônica com precisão”, indica Latini.
Latini comenta que “existe necessidade urgente do desenvolvimento de analgésicos para o manejo da dor crônica, a identificação de biomarcadores quantificáveis da dor, bem como a criação de centros de terapia exclusivamente voltados para dor”. Ela revela que isto “representará um grande avanço principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS) para reduzir os casos de dor crônica pela maior eficácia no tratamento. Por exemplo, muitos pacientes oncológicos atendidos no SUS teriam uma qualidade de vida melhor”. O trabalho completo da Nature pode ser acessado no link. [1]
[1] Esta notícia científica foi escrita por Caetano Machado (Jornalista da Agecom/UFSC), em 16 de abril de 2019.
Como citar esta notícia científica: UFSC. Estudo pode levar a novos tratamentos contra o câncer e doenças autoimunes. Texto de Caetano Machado. Saense. https://saense.com.br/2019/04/estudo-pode-levar-a-novos-tratamentos-contra-o-cancer-e-doencas-autoimunes/. Publicado em 17 de abril (2019).