Luana Mendonça
23/04/2019

Fluorescência em espécies de Brachycephalus: (a, e) fotografias em luz natural; (b, f) fluorescência sob iluminação UV; (c, g) fluorescência sob iluminação UV, porém com remoção de toda luz visível. [1]

Fluorescência é um fenômeno no qual luz é emitida quando exposta a radiações como ultravioleta e raios X. Essas radiações são caracterizadas por terem comprimento de onda muito curtos, o que as torna invisíveis para o olho humano, porém, algumas moléculas que possuem fluoróforo (componente especializado de uma molécula que a torna fluorescente) são capazes de absorver esses comprimentos de onda curtos e reemiti-los em comprimentos de onda maiores e, portanto, visíveis para nós humanos.

Esse fenômeno é bastante frequente em organismos aquáticos, principalmente marinhos, que usam essa emissão de luz para ‘se comunicar’. Semelhante, mas mais raro, essa capacidade vem sendo descrita para animais terrestres como aves, aranhas, sapos e camaleões. A comunicação através da emissão de luz (e cor) tem inúmeras funções como camuflagem, sinal de perigo (no caso o indivíduo fluorescente pode ser tóxico e sua cor extravagante ou brilho pode estar associada a isso), sinal sexual, dentre outras.

Os componentes fluorescentes (fluoróforos) são encontrados, nos relatos existentes, nos tecidos externos desses animais, como cutícula, pena e pele. Extraordinariamente, a fluorescência associada aos ossos foi relatada para camaleões, porém, nenhum outro vertebrado tinha sido encontrado com essa característica… ‘tinha’, no passado, pois um novo estudo realizado entre universidades brasileiras e europeias registra e explica o fenômeno de fluorescência óssea em sapos endêmicos da Floresta Atlântica brasileira [1]. 

Goutte e seus colaboradores descrevem no novo estudo publicado no mês passado os padrões de fluorescência de duas espécies de Brachycephalus (Brachycephalus ephippium e B. pitanga, família Brachycephalidae), criados por tecidos ossificados, visíveis através da pele. Para descrever a fluorescência, os pesquisadores utilizaram várias técnicas histológicas e de raio X, gerando as imagens incríveis da figura acima.

As espécies utilizadas no estudo, bem como outras relacionadas, formam um conjunto de sapos brasileiros conhecidos como sapinhos-pingo-de-ouro (se eu encontrei a informação correta) ou em inglês pumpkin toadlets. Esses sapos são pequenos, tem hábito diurno, são majoritariamente tóxicos e possuem coloração brilhante (amarelo, laranja e vermelho). As duas espécies escolhidas para o estudo, foram colocadas sob iluminação UV e apresentaram um brilho emitido nas regiões ossificadas da pele na cabeça e nas costas (olha lá no começo a figura). Indivíduos dos dois sexos (machos e fêmeas) emitiram esse brilho, mas sapos mais jovens não emitiram (provavelmente porque a ossificação dérmica ainda não estaria finalizada nesses indivíduos).

Os resultados histológicos mostraram que a camada de pele que cobre a região óssea fluorescente é absurdamente fina nas duas espécies de sapo estudadas e que, essas espécies não possuem melanóforos (células pigmentares escuras que são encontradas na pele e que bloqueiam a passagem de luz), esses dois fatores, segundo os autores, proporcionam a visibilidade externa da fluorescência nesses animais.

A pergunta que sempre nos inquieta é ‘para que serve essa fluorescência nesses animais’ e, sabendo que eles são ativos durante o dia, porque eles precisariam emitir luz com tanta luz do sol? A necessidade de comunicação é sempre um fator interessante quando discutimos o aspecto visual, mas que tipo de sinal a fluorescência estaria dando e quem estaria recebendo esse sinal? Os autores mencionam que talvez essa fluorescência esteja sendo usada, entre membros de Brachycephalus, como uma compensação da perda dos melanóforos que bloqueariam a entrada de luz, e, nesse caso, a fluorescência estaria funcionando como refletor dessa luz excessiva. Outra hipótese é que, sabendo que algumas espécies de sapo possuem olhos menos sensíveis para amarelo, laranja e vermelho (as cores dos sapos estudados), a fluorescência poderia estar funcionando como uma alternativa para ‘ser enxergado’ por outros sapos da mesma espécie.

Obviamente, outras perguntas surgem à medida que respondemos as anteriores…é isso que move a ciência, e a curiosidade também… nesse caso, questões como: de que forma os indivíduos dessas espécies ‘se enxergam’ a partir da fluorescência…como funciona essa emissão na natureza (sem luzes artificiais) …será que os predadores desses sapos enxergam essa fluorescência… e as presas desses sapos, será que elas também são capazes de perceber essa emissão de luz? Muitas questões para serem respondidas, mas os resultados encontrados por esses pesquisadores incríveis já me enchem de orgulho (por estarem divulgando a ciência no Brasil, por estarem trabalhando com uma espécie endêmica e ameaçada, etc.) e de vontade de saber mais!

[1] S Goutte et al. Intense bone fluorescence reveals hidden patterns in pumpkin toadlets. Scientific Reports 9, 5388 (2019).

Como citar este artigo: Luana Mendonça. Fluorescência óssea é encontrada em sapos da Floresta Atlântica brasileira. Saense. https://saense.com.br/2019/04/fluorescencia-ossea-e-encontrada-em-sapos-da-floresta-atlantica-brasileira/. Publicado em 23 de abril (2019).

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