ESO
10/04/2019

Buraco negro situado no centro da galáxia Messier 87. [1]

Este resultado pioneiro foi anunciado hoje numa série de seis artigos científicos publicados num número especial da revista The Astrophysical Journal Letters. A imagem revela o buraco negro situado no centro de Messier 87 [2], uma galáxia massiva localizada no aglomerado de galáxias da Virgem. Este buraco negro está a 55 milhões de anos-luz de distância da Terra e possui uma massa de 6,5 bilhões de vezes a do Sol [3].

O EHT conecta telescópios situados em todo o globo, formando um telescópio virtual do tamanho da Terra sem precedentes [4]. O EHT proporciona aos astrônomos uma nova maneira de estudarem os objetos mais extremos do Universo previstos pela relatividade geral de Einstein durante o ano centenário da experiência histórica que confirmou esta teoria pela primeira vez [5].

“Fizemos a primeira fotografia a um buraco negro,” disse o diretor do projeto EHT, Sheperd S. Doeleman do Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian, EUA. “Trata-se de um feito científico extraordinário levado a cabo por uma equipa de mais de 200 pesquisadores.”

Os buracos negros são objetos cósmicos extraordinários com massas enormes e tamanhos extremamente compactos. A presença destes objetos afeta o meio onde estão inseridos de maneira extrema, deformando o espaço-tempo e superaquecendo o material que os rodeia.

“Se estiverem imersos numa região brilhante, como um disco de gás brilhante, pensamos que o buraco negro crie uma região escura semelhante a uma sombra — algo previsto pela relatividade geral de Einstein que nunca foi observado anteriormente”, explica o Presidente do Conselho Científico do EHT, Heino Falcke da Universidade Radboud, na Holanda. “Esta sombra, causada pela curvatura gravitacional e que captura da luz no horizonte de eventos, nos revela muito sobre a natureza destes fascinantes objetos e nos permite medir a enorme massa do buraco negro de M87.”

Calibrações múltiplas e métodos de obtenção de imagens revelaram uma estrutura semelhante a um disco com uma região central escura — a sombra do buraco negro — que se manteve em várias observações independentes do EHT.

“Quando tivemos a certeza de ter efetivamente capturado a sombra, pudemos comparar o nosso resultado com uma extensa biblioteca de modelos computacionais que incluem a física do espaço distorcido, matéria superaquecida e fortes campos magnéticos,” observa Paul T.P. Ho, membro do Conselho do EHT e diretor do East Asian Observatory. “A imagem observada se ajusta bem com a nossa compreensão teórica, nos deixando confiantes na interpretação de nossas observações, incluindo nossa estimativa da massa do buraco negro”, comenta o membro do Conselho do EHT, Luciano Rezzolla, da Goethe Universität, Alemanha.

Criar o EHT consistiu de um enorme desafio, pois foi necessário atualizar e conectar uma rede mundial de oito telescópios pré-existentes colocados numa quantidade de locais de altitude elevada. Estes locais incluem vulcões no Hawai e no México, montanhas no Arizona, EUA, a Sierra Nevada espanhola, o deserto chileno do Atacama e a Antártida.

As observações do EHT usaram uma técnica conhecida por interferometria de linha de base muito longa (VLBI, sigla do inglês para very-long-baseline interferometry), que sincroniza os vários telescópios e explora a rotação do nosso planeta de modo a formar um enorme telescópio do tamanho da Terra, que observa a um comprimento de onda de 1,3 mm. A VLBI permite ao EHT atingir uma resolução angular de 20 microsegundos de arco — o suficiente para se ler um jornal colocado em Nova Iorque à distância de um café em Paris [6].

Os telescópios que contribuíram para este resultado foram: Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), Atacama Pathfinder Experiment (APEX), telescópio IRAM de 30 metros, James Clerk Maxwell Telescope, Large Millimeter Telescope Alfonso Serrano, Submillimeter Array, Submillimeter Telescope e South Pole Telescope [7]. Foram combinados petabytes de dados obtidos por estes telescópios em supercomputadores altamente especializados, situados no Instituto Max Planck de Radioastronomia e no MIT Haystack Observatory.

As infraestruturas e financiamento europeu desempenharam um papel crucial neste esforço mundial, com a participação de telescópios europeus avançados e o apoio do Conselho Europeu de Pesquisa — particularmente com uma bolsa de 14 milhões de euros para o projeto BlackHoleCam [8]. Os apoios do ESO, IRAM e Sociedade Max Planck foram também determinantes. “Este resultado se apoia em décadas de experiência europeia na área da astronomia milimétrica”, comentou Karl Schuster, Diretor do IRAM e membro do Conselho do EHT. 

A construção do EHT e as observações anunciadas hoje representam o culminar de décadas de trabalho observacional, técnico e teórico. Este exemplo de trabalho de equipe global se apoiou em colaborações estreitas entre pesquisadores de todo o mundo. Treze instituições parceiras trabalharam em conjunto para criar o EHT, fazendo uso tanto de infraestruturas já existentes como do apoio de várias agências. O financiamento principal foi dado pela Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos da América (NSF), pelo Conselho Europeu de Pesquisa da União Europeia (ERC) e por agências financiadoras do Leste Asiático [9].

“O ESO se orgulha de ter contribuído de forma significativa para este resultado através da sua liderança europeia e papel principal em dois dos telescópios componentes do EHT, situados no Chile — o ALMA e o APEX,” comentou o Diretor Geral do ESO, Xavier Barcons. “O ALMA é a infraestrutura mais sensível do EHT e as suas 66 antenas de alta precisão foram determinantes no sucesso do EHT.” “Conseguimos algo que uma geração atrás julgava impossível,” concluiu Doeleman. “Juntamos avanços pioneiros em tecnologia, ligações entre os melhores radioobservatórios do mundo e algoritmos inovadores para abrir uma nova janela para os buracos negros e o seu horizonte de eventos.” [10], [11]

[1] Crédito da imagem: EHT Collaboration.

[2] A sombra de um buraco negro é o mais próximo da imagem do buraco negro propriamente dito que conseguimos obter, já que este é um objeto completamente escuro do qual a luz não pode escapar. A fronteira do buraco negro — o horizonte de eventos que dá o nome ao EHT — é cerca de 2,5 vezes menor que a sombra que projeta e mede menos de 40 bilhões de km de um lado ao outro.

[3] Os buracos negros supermassivos são objetos astronômicos relativamente pequenos — o que faz com que até agora tenham sido impossíveis de serem observados diretamente. Como o tamanho do horizonte de eventos de um buraco negro é proporcional à sua massa, quanto mais massivo for o buraco negro, maior será a sua sombra. Graças à sua enorme massa e relativa proximidade, previu-se que o buraco negro de M87 fosse um dos maiores visto a partir da Terra — o que o tornou num excelente alvo para o EHT.

[4] Apesar dos telescópios não estarem fisicamente ligados, foi possível sincronizar os dados coletados com relógios atômicos — masers de hidrogênio — que dão o tempo preciso das observações. Estas observações foram obtidas a um comprimento de onda de 1,3 mm durante uma campanha global em 2017. Cada telescópio do EHT produziu enormes quantidades de dados — cerca de 350 terabytes por dia — os quais foram armazenados em discos de elevado desempenho. Estes dados foram depois combinados em supercomputadores altamente especializados — chamados correladores — existentes no Instituto Max Planck de Rádio Astronomia e no Observatório Haystack do MIT. Foram seguidamente convertidos numa imagem usando ferramentas computacionais inovadoras, desenvolvidas pela colaboração.

[5] Há 100 anos, duas expedições partiram para a Ilha do Príncipe, na costa de África, e para Sobral, no Brasil, para observarem o eclipse total de 1919, com o intuito de testarem a relatividade geral ao observarem se a luz estelar se curvava em torno do limbo do Sol, tal como previsto por Einstein. Seguindo um pouco este espírito, o EHT enviou membros da sua equipa a algumas das mais altas e isoladas infraestruturas rádio do mundo para, uma vez mais, testarem a nossa compreensão da gravidade.

[6] As observações do EHT no futuro próximo irão ter um aumento substancial da sua sensibilidade, devido à participação dos IRAM NOEMA Observatory, Greenland Telescope e Kitt Peak Telescope.

[7] O ALMA surge no âmbito de uma parceria entre o Observatório Europeu do Sul (ESO; Europa, representando os seus Estados Membros), a Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão, juntamente com o Conselho de Pesquisa Nacional do Canadá, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MOST; Taiwan), a Academia Sinica/Instituto de Astronomia e Astrofísica (ASIAA; Taiwan) e o Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço da Coreia (KASI; República da Coreia), em cooperação com a República do Chile. O APEX é operado pelo ESO, o telescópio de 30 metros é operado pelo IRAM (as Organizações Parceiras do IRAM são MPG (Max Planck Society, Alemanha), CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique, França) e IGN (Instituto Geográfico Nacional, Espanha)), o James Clerk Maxwell Telescope é operado pelo EAO (East Asian Observatory), o Large Millimeter Telescope Alfonso Serrano é operado pelo INAOE (Instituto Nacional de Astrofísica, Óptica y Electrónica, Espanha) e UMass (University of Massachusetts, EUA), o Submillimeter Array é operado pelo SAO (Smithsonian Astrophysical Observatory, EUA) e ASIAA e o Submillimeter Telescope é operado pelo ARO (Arizona Radio Observatory, EUA). O South Pole Telescope é operado pela Universidade de Chicago, EUA, com instrumentação especializada para o EHT fornecida pela Universidade do Arizona, EUA.

[8] O BlackHoleCam é um projeto financiado pela União Europeia para obter imagens, fazer medições e compreender os buracos negros astrofísicos. O principal objetivo do BlackHoleCam e do EHT é obter as primeiras imagens do buraco negro com bilhões de massas solares situado no centro da galáxia próxima M87 e do seu vizinho menor, Sagitário A*, o buraco negro supermassivo que se encontra no centro da nossa Via Láctea. Deste modo, poder-se-á determinar com extrema precisão a deformação do espaço-tempo causada por um buraco negro.

[9] O parceiro East Asian Observatory (EAO) no projeto EHT representa a participação de muitas regiões da Ásia, incluindo China, Japão, Coreia, Taiwan, Vietname, Tailândia, Malásia, Índia e Indonésia.

[10] Este trabalho foi descrito numa série de seis artigos científicos publicados em um número especial da revista The Astrophysical Journal Letters.

[11] Esta notícia científica foi traduzida por Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Gustavo Rojas.

Como citar esta notícia científica: ESO. Primeira imagem de um buraco negro. Tradução de Margarida Serote e Gustavo Rojas. Saense. https://saense.com.br/2019/04/primeira-imagem-de-um-buraco-negro/. Publicado em 10 de abril (2019).

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