UFSC
13/05/2019

Beatriz Rosa: “Acredito que ter um corpo em forma e fortalecido ajudou na minha recuperação, que foi mais rápida” (foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC)

Falar sobre câncer não é fácil, ainda mais quando é com alguém que passou por procedimentos dolorosos em busca da cura. Ao localizar uma fonte para esta entrevista, de pronto tive retorno de Beatriz Bittencourt da Roza, 67 anos, que havia descoberto o câncer de mama em um exame de rotina em 2017.  Quando eu e o meu colega de Agecom, Pipo Quint, nos preparávamos para encontrar Beatriz para a entrevista e o registo fotográfico o estereótipo de uma pessoa doente vinha a minha mente: fraca, apática, com mobilidade reduzida. Tudo isso caiu por terra ao ver Beatriz vindo em nossa direção no pátio do Hospital Universitário (HU). O sorriso largo estampava o seu rosto maquiado para as fotos, o cabelo estava lindamente arrumado e o traje mostrava parte da sua identidade: forte, comunicativa, firme, vaidosa, única.

Essa mulher enfrentou o mais comum dos cânceres entre as mulheres. Em 2017 foi a principal causa de morte entre elas no mundo, além de ser o responsável por anos de vida saudável perdidos (DALYs – Disability Adjusted Life Years). Esses dados foram levantados por uma pesquisa internacional liderada pelo professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (DEF/UFSC), Diego Augusto Santos Silva, e publicada na Nature em 2018.

Desenvolvida na UFSC, a pesquisa “Mortality and years of life lost due to breast cancer attributable to physical inactivity in the Brazilian female population (1990–2015)” contou com a parceria do Ministério da Saúde, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da University of Washington (E.U.A) e analisa a evolução do câncer de mama, óbitos e os anos de vida perdidos durante a doença de 1990 a 2015 no Brasil, os comparando com estudos de outras partes do mundo.

Considerado um tipo de câncer que, além de ter alta mortalidade, é causador de morbidade precoce, o estudo reflete sobre esses índices os relacionando com fatores de risco, sendo um deles a falta de atividade física entre as mulheres.

Quando Beatriz descobriu o câncer em fevereiro de 2017 precisou se submeter a uma cirurgia três meses depois. Seu corpo mudou, procedimentos invasivos foram necessários e, com isso, sua rotina precisou ser adaptada. Mas um fator neste contexto foi primordial para que o seu processo de cura e recuperação fosse mais autônomo: a atividade física.

“Adepta do ferro”, como ela mesmo diz, praticou musculação desde muito jovem e entre 1980 e 1990 abriu uma academia de musculação mista em Florianópolis para que as mulheres pudessem iniciar nessa prática desportiva. “Sempre gostei de correr, cuidar do corpo, os exames de saúde sempre foram e ainda são periódicos. Acredito que ter um corpo em forma e fortalecido ajudou na minha recuperação, que foi mais rápida”.

Professora do Departamento de Enfermagem da UFSC e membro do Grupo de Pesquisas Cuidando e Confortando, Luciana Martins da Rosa atuou por 20 anos como enfermeira no Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon), localizado em Florianópolis. Segundo ela, o sedentarismo é um fator de risco para todas as pessoas. “As chances de reduzir os riscos de câncer diminuem quando a atividade física está presente na sua vida”.

De acordo com a pesquisa de Silva, essa doença é causada por diversos fatores que incluem estilo de vida genéticos e modificáveis. Fatores de estilo de vida são inatividade física, obesidade, alimentação inadequada e uso excessivo de álcool. “São fatores de risco modificáveis, que, se evitados, poderiam auxiliar na prevenção e no manejo do câncer de mama”.

A prevenção ainda é o melhor caminho de combate ao câncer, seja pela prática regular de exercícios físicos, seja pela detecção precoce de problemas de saúde. “Previna-se para não ter câncer. Já se sabe que a maioria dos tratamentos existentes não curam, se a doença estiver avançada, por isso os avanços tecnológicos permitem melhores diagnósticos e os estudos genéticos configuram novas perspectivas para o controle da doença. A prevenção torna o tratamento mais fácil, e a atividade física aliada com uma boa alimentação contribuem para o equilíbrio do organismo para que sejam fatores protetores para a saúde”, elucida Luciana.

A pesquisa divulgada na Nature aponta que altos níveis de atividade física ao longo da vida, ou seja, antes do diagnóstico, reduziram significativamente o risco de morte entre os pacientes de câncer de mama comparados aos que tinham baixa ou nenhuma rotina de prática desportiva. “Reduções significativas de risco para morte relacionada ao câncer de mama também foram demonstradas para atividade física recreativa pré-diagnóstico mais recente, atividade física pós-diagnóstico e cumprimento das diretrizes recomendadas de atividade física pós-diagnóstico”.

Depois da cirurgia a atividade física de Beatriz precisou ser “reduzida à força”, segundo ela. Mas, nem por isso, a movimentação do corpo ficou de lado. “A minha principal decisão foi manter uma rotina para suprir uma necessidade que o meu corpo apontava diariamente no mesmo horário em que eu ia para a academia. Então, como eu não conseguir ir até lá, em casa mantive a rotina de acordar cedo, arrumar a cama, fazer tarefas domésticas, tomar ar puro, estar em contato com a natureza”, relata ela, que diz que a “atividade física foi fundamental para manter a minha autoestima e me ajudar na recuperação”.

A mulher e o câncer de mama

O estudo de Diego revela que a inatividade física foi responsável por 12% de mortes e DALYs por câncer de mama no Brasil entre 1990 e 2015. Esse percentual representou mais de 3 mil mortes e mais de 89 mil DALYs nos 25 anos analisados. No Cepon, segundo Luciana, a incidência de câncer de mama era a mais alta entre os pacientes atendidos. Essas informações estão relacionadas diretamente com as transformações que o corpo da mulher passa ao longo dos anos.

No Brasil, a mortalidade por câncer de mama atribuível a todas as causas, todos os fatores de risco e inatividade física cresceram com o aumento da idade das mulheres nos últimos 25 anos, segundo dados da pesquisa de Silva.

Com o processo de envelhecimento alterações hormonais significativas acontecem no corpo feminino. “O tecido adiposo (especializado em guardar gordura no interior da célula) produz mais estrogênio, principalmente quando se está na pós-menopausa”, explica a professora de enfermagem.

O estrogênio é um dos hormônios sexuais que circulam no organismo e podem causar câncer de mama, além disso ele pode estimular a produção de radicais livres que danificam a genética do interior da célula. “Assim, a atividade física reduz o estradiol (um dos quatro estrógenos) e aumenta a globulina relacionada aos hormônios sexuais que tem a função de reduzir a quantidade de estradiol”, aponta o artigo científico.

Por isso, o aumento de peso entre as mulheres é um fator de risco para o surgimento do câncer de mama, uma vez que o tecido ‘gordo’ está produzindo o estrogênio. “Ele contribui para o desenvolvimento do câncer ou para que, mesmo depois do tratamento, a doença volte. Por isso, se a mulher não tem o hábito da atividade física, precisa desenvolver”, salienta Luciana.

A pesquisa também aponta que os estados brasileiros com melhores indicadores socioeconômicos apresentaram maiores taxas de morte e DALYs por câncer de mama devido à inatividade física: Rio de Janeiro (1º), Rio Grande do Sul (2º) e São Paulo (3º).

Os achados da pesquisa liderada por Silva vão além e revelam que a atividade física pode reduzir os níveis de insulina na corrente sanguínea e aumentar a quantidade de substâncias anti-inflamatórias no organismo, fatores primordiais na prevenção do câncer de mama.

Mudança de hábitos

O início de uma rotina de exercício físico na vida do ser humano é algo que precisa ser desenvolvido e isso passa por uma mudança de hábitos, seja como ação preventiva, seja como um sistema de cuidados à saúde após diagnóstico.

Luciana ouviu de um paciente que, para algumas pessoas, o câncer é como um divisor de águas, pois passado o medo surge a vontade de sobreviver. “A pessoa começa a olhar a vida de uma maneira diferente e faz mudanças substâncias no seu estilo de vida”.

Para todos os tipos de cânceres é preciso que a pessoa tenha uma boa alimentação, faça atividade física, verifique se na família há herança genética. “Não se trata de etnia, mas sim de hábitos que levam ao câncer”, frisa a professora.

Há duas situações importantes relacionadas ao câncer: a atividade física como prevenção e como fator fundamental de recuperação. No caso de Beatriz, ser praticante de musculação ajudou nas duas ocasiões: ela manteve a musculação até 15 dias antes da cirurgia por orientação médica, porém após a cirurgia chegou em casa e não conseguia subir dois degraus. “Isso é inacreditável, o corpo inteiro fica sem força, nada, nada, até para levantar uma colher tem que ser forte. Tudo fica pesadíssimo. Se eu nunca tivesse feito atividade física eu teria ficado como muitas pessoas ficam: dependendo de um familiar, sem conseguir caminhar, triste e infeliz, porque o corpo não reage”.

 No caso dela, a atividade física ajudou na prevenção, porque a prática deixa o corpo mais firme, e no tratamento, porque ao corpo se recuperou mais rápido. Neste momento Beatriz pediu, de maneira muito espontânea, para que eu tocasse em seus músculos do braço esquerdo. “Musculação deixa o corpo mais forte. Você pode me tocar, esse é meu braço operado. Você fica com estrutura muscular para recuperar o corte, na cicatrização, não tem nenhum ponto que incomode. Você fica sem força, mas você se toca e tem osso, tem pele, tem musculatura”, relata ela feliz com o corpo fortalecido pela rotina de exercício físico.

Essa mudança de hábito entre as pessoas saudáveis é desejável e quem sabe, por isso, muitos deixam para depois. Mas com os pacientes em tratamento de câncer a mudança é urgente e difícil. “Muitos estão fragilizados emocionalmente, não têm apoio familiar, vivem preconceitos sociais, têm limitações da cirurgia, estão desaminados e tristes. Tem uma soma de situações em várias dimensões que a pessoa se depara e precisa buscar uma força muito grande e que nem sempre todos conseguem”, explica Luciana.

Porém, muitas pessoas resgatam a vontade de viver, mudam a alimentação e incluem o exercício físico na vida. “Você adoeceu! Não adianta olhar o antes, é a partir do diagnóstico que você pode fazer escolhas para melhorar a sua vida e melhorar o enfrentamento da doença e do tratamento. A partir disso, a pessoa precisa fazer novas escolhas e mudar o estilo de vida. Infelizmente, a grande maioria não muda”, alerta Luciana.

Boa alimentação e atividade física regular. Duas ações mágicas que todo mundo está cansado de saber, mas que exigem força e dedicação para acontecerem. Esse equilíbrio permite que o seu corpo, além de mais bonito, dê a oportunidade para que o seu organismo tenha um sistema de defesa adequado para prevenir doenças ou enfrentar a que já foi diagnostica.

“Meu corpo pedia por atividade física porque ele estava acostumado, então inclui práticas na minha rotina, isso foi muito difícil. Então digo: mulheres, sejam vaidosas, cuidem de vocês, façam os exames de rotina, se apeguem à família, à fé, se mantenham ativas”, fala Beatriz de maneira carinhosa.

Suporte coletivo: o Grupo Movemama

O Grupo MoveMama é desenvolvido dentro do Cepon com o objetivo de levar atividade física às pacientes com câncer de mama. Leonessa Boing, doutoranda em Ciências do Movimento Humano do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina (Cefid/Udesc), atua no projeto de pesquisa, que tem na coordenação a professora Adriana Coutinho de Azevedo Guimarães. Pilates, danças e alongamentos fazem parte da rotina de práticas aplicadas com as alunas-pacientes.

A dança fez o quadril das alunas ficar mais solto, as pernas mais firmes, a sensualidade ser resgatada, o despertar para a posição corporal, o relaxamento, o alongamento e, claro, a felicidade. Para Beatriz, que é participante assídua das aulas segundo Leonessa, foi a atividade física que a ajudou a manter a sua autonomia durante o tratamento, como a continuar dirigindo, por exemplo. “Muitas colegas que conheci e convivi enfrentaram falta de apoio familiar e isso, aliado com a doença, as fez ficarem muito deprimidas”.

Mas grupos de apoio como esse vão além da prática desportiva e permitem que pacientes em tratamento de câncer interajam, troquem experiências e se ajudem de maneira mútua. “O grupo com a Leonessa foi muito interessante porque começamos a conversar, nos sentimos seguras, passamos pela atividade física, mas envolve muito mais: as pessoas fazem um esforço logístico enorme para estar lá, trocar e conviver entre as colegas. Isso foi nos incentivando e nos liberando para viver esse momento, tudo foi uma caminhada coletiva que trabalhou corpo e mente”.

Luciana enaltece que grupos como esse dão suporte e levam para dentro de instituições de saúde a prática desportiva. “Infelizmente o profissional de Educação Física não faz parte do Corpo Clínico e, no meu ponto de vista, diante dos tempos atuais, esse profissional é extremamente importante para o cuidado com a saúde. Os estudos hoje mostram que não é possível controlar o câncer, mas outros falam sobre os benefícios da atividade física para a prevenção e um melhor prognóstico”. [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Nicole Trevisol.

Como citar esta notícia científica: UFSC. Mexa-se! Estudo aponta relação entre falta de atividade física e mortes por câncer de mama. Texto de Nicole Trevisol. Saense. https://saense.com.br/2019/05/mexa-se-estudo-aponta-relacao-entre-falta-de-atividade-fisica-e-mortes-por-cancer-de-mama/. Publicado em 13 de maio (2019).

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