UFRGS
20/05/2019

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Um estudo realizado pelo cientista social Lucas Hertzog avaliou como se deram os processos de flexibilização das relações de trabalho no mercado tecnológico que abriram espaços para uma maior inovação no mundo do serviço digital a partir de 2012. A pesquisa, que fez parte da tese de doutorado do pesquisador, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS, é focada nos atores envolvidos na produção de conteúdo audiovisual para o YouTube Brasil e em sua posterior monetização e busca compreender como essa atividade vem se consolidando como uma nova forma de trabalho no capitalismo contemporâneo.

“O objetivo foi explorar um universo pouco conhecido até então, o dos atores envolvidos na produção de conteúdo audiovisual para o YouTube Brasil, e compreender como essa atividade vem se consolidando como uma nova forma de trabalho no capitalismo contemporâneo”, explica Hertzog. Ele afirma que procurou trazer ao público questionamentos sobre as redes de poderes nas quais os trabalhadores desse setor estão envolvidos, as categorias internas que existem nesse novo trabalho (desde os grandes youtubers com dezenas de milhões de seguidores até aqueles que possuem algumas dezenas de milhares) e a forma pela qual eles se posicionam na complexa cadeia global que forma a divisão internacional do trabalho digital.

Para a realização da pesquisa, o autor utilizou cinco tipos de base de dados:

  • uma base quantitativa, construída a partir de informações numéricas e textuais extraídas de mil canais no YouTube Brasil por técnicas de mineração de dados;
  • dados quantitativos secundários, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2005 a 2016, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD);
  • dados qualitativos documentados a partir de entrevistas conduzidas com auxílio de um roteiro semiestruturado com dez criadores de conteúdo para o YouTube;
  • dados qualitativos gerados pela observação online de vídeos disponibilizados na plataforma por criadores de conteúdo entrevistados, bem como por outros que não foram informantes diretos; e
  • documentos de livre acesso disponibilizados pelo YouTube em seus Termos de Serviço, Política de Privacidade e Diretrizes da Comunidade.

“Nossa amostra foi composta por dados que nos encaminharam à análise tanto quantitativa como qualitativa, sendo esta uma pesquisa que utilizou a abordagem multimétodos”, diz Hertzog. “Como nossa tese pretende ser um convite à abertura de uma nova agenda de pesquisa, optamos por trazer dados de naturezas distintas que podem ser complementares e que exemplificam as amplas dimensões com as quais podemos abordar tanto a temática em termos gerais como o campo específico da pesquisa com e no YouTube”, complementa.

De acordo com o estudo, a partir de 2012, começaram a acontecer mudanças relevantes nas relações de trabalho do YouTube Brasil. O Programa de Parceiros, que foi criado na plataforma em 2006 nos Estados Unidos, passa a estar disponível em 2012 para 20 países, incluindo o Brasil. O que muda efetivamente nesse momento é a maior facilidade de ser remunerado pelo conteúdo produzido. No programa, os “canais parceiros” são aqueles que aceitam o processo de valoração de seu espaço virtual no interior dos vídeos com publicidade e passam a se comprometer ativamente com as políticas e diretrizes estabelecidas pelo YouTube – não pode haver incitação à violência, crime ou ódio; não deve ser veiculado conteúdo sexualmente explícito; o conteúdo veiculado deve respeitar as leis de direitos autorais, entre diversas outras regras que devem ser seguidas. Em 2019, o programa já atinge 97 países, resultando em expressiva contratação de trabalhadores pela plataforma, ainda que esses postos de trabalho venham sendo timidamente percebidos enquanto tais.

No seu projeto, Hertzog defende que essa expansão resulta em um dos maiores processos de recrutamento de mão de obra em larga escala e em regimes flexíveis por uma corporação multinacional do capitalismo contemporâneo. Atualmente, ao menos 100 mil canais, distribuídos nos mencionados 97 países, contam com mais de 100 mil inscritos, de acordo com a pesquisa. E quando se analisam os que possuem a partir de 50 mil inscritos, a soma alcança mais de 200 mil canais. Portanto, ao menos 200 mil pessoas ao redor do mundo conseguiram produzir dezenas de milhares de vídeos publicados no YouTube, tendo chances de ver algum retorno financeiro com isso. Se levarmos em conta o fato de que a maioria dos canais envolvem diversos trabalhadores, essas cifras podem ser ampliadas drasticamente.

A monetização de um canal produtor de conteúdo é, basicamente, um processo pelo qual há uma percepção do YouTube de que o conteúdo produzido possui potencial econômico de um lado e, de outro, que os próprios produtores de conteúdo se veem motivados a perceber a atividade como fonte de ganhos financeiros. A megacorporação intermedeia uma relação entre anunciantes e canais, ficando com uma fatia de ao menos 45% dessa negociação através de sua subsidiária AdSense, o serviço de publicidade da Google. Nesta nova lógica de remuneração variável em dependência de diversos fatores (como o número de visualizações e de inscritos), o nível da entrega pessoal à criação audiovisual deve ser constante e periódico para que o produto criado possa ser convertido em dinheiro. De acordo com o cientista social, o produto, nesse caso, não é mais “tempo e distância percorrida”, como no Uber, por exemplo, mas tempo na plataforma e volume de dados transmitidos. A possibilidade de monetização de conteúdo estimula a criação de um novo mercado de trabalho, formado por pessoas que passam a se envolver na produção de vídeos como uma atividade laboral, seja direta ou indireta.

Segundo o pesquisador, alguns canais são como empresas, possuindo diversas pessoas envolvidas na produção. Muitos possuem dúzias de trabalhadores, como canais bastante conhecidos de humor. Isso indica que podem ser dezenas de milhares de pessoas envolvidas nesse novo tipo de trabalho no Brasil, um número difícil de ser captado, já que o YouTube não divulga seus dados de maneira categorizada.

“Na nossa pesquisa, construímos uma amostra de mil canais brasileiros que possuíam, pelo menos, 50 mil inscritos. Sabemos que esse número indica apenas uma ‘lista de contatos’, um rol de possíveis consumidores. O conteúdo deve provocar engajamento, consumir tempo e mobilizar os espectadores para que possa, assim, trazer algum retorno financeiro”, argumenta Herzog. “Entretanto, constatamos que a partir dessa marca os trabalhadores percebem que podem receber dinheiro enviando vídeos, periodicamente, para a plataforma”, conclui.

Tese

Título: Dá um like, se inscreve no canal e compartilha o vídeo: um estudo sociológico sobre o trabalho e as novas tecnologias digitais no YouTube Brasil
AutorLucas Hertzog Ramos
OrientadorFernando Coutinho Cotanda
Unidade: Programa de Pós-Graduação em Ciências em Sociologia. [2]

[1] “Speed up youtube”by Akshay Hallur is licensed under CC BY-ND 2.0

[2] Esta notícia científica foi escrita por Jorge C. Carrasco.

Como citar esta notícia científica: UFRGS. Pesquisador analisa a intersecção entre o trabalho e as novas tecnologias digitais no YouTube. Texto de Jorge C. Carrasco. Saense. https://saense.com.br/2019/05/pesquisador-analisa-a-interseccao-entre-o-trabalho-e-as-novas-tecnologias-digitais-no-youtube/. Publicado em 20 de maio (2019).

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