UFMG
17/05/2019
Consumo tardio entre mulheres e queda acentuada a partir dos anos 1990 marcam trajetória do tabagismo no país
O consumo e a exposição indireta ao tabaco são a segunda causa de mortalidade no mundo, atrás apenas da hipertensão. O número de fumantes é significativo e crescente, especialmente nos países em desenvolvimento. Pesquisa do doutorado em Demografia desenvolvida na Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG reconstrói a história do tabagismo no Brasil e avalia em que medida as mudanças na prevalência desse hábito afetarão a mortalidade até 2030.
Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), havia, em 2016, 1,25 bilhão de indivíduos fumantes em todo o mundo, número que deve chegar a 1,6 bilhão em 2030. Ainda de acordo com a OMS, cerca de 6 milhões de pessoas morrem anualmente de causas relacionadas ao consumo direto e indireto do tabaco.
Em sua tese, o pesquisador Cristiano Sathler dos Reis reconstrói a história do tabagismo brasileiro de 1948 a 2008, por idade, período e coorte de nascimento. Segundo o pesquisador, a prevalência do tabagismo entre os homens sempre foi superior à feminina, independentemente da idade, período e coorte. Além disso, o nível educacional desempenha papel importante como preditor do consumo do tabaco. Em geral, a prevalência do tabagismo é menor entre indivíduos mais escolarizados.
De 1980 a 2015, o país registrou mais de 6,5 milhões de mortes decorrentes do consumo do tabaco, sendo 4,7 milhões de homens e 1,8 milhão de mulheres. A diferença no número de óbitos por sexo, segundo Reis, deve-se ao fato de a iniciação das mulheres no tabagismo ter ocorrido cerca de 15 anos após a dos homens. “Percebemos que as diferenças sociais, econômicas e culturais influenciaram no atraso de iniciação das mulheres, que atingiram o pico de 35% somente na década de 80. Metade dos homens, na década de 50, já fumava, alcançando o pico de 66,3% no início dos anos 70”, compara.
Outros fatores que confirmam a iniciação tardia das mulheres são a tendência de queda na taxa de mortalidade atribuída ao tabagismo entre os homens e o aumento de óbitos entre as mulheres, de 1980 a 2015. Em 1984, para cada 100 mil habitantes, foram registrados 669,6 óbitos de homens e 80 de mulheres. Em 2015, a mortalidade entre os homens caiu para 353,3, enquanto entre as mulheres subiu para 255,2 a cada 100 mil habitantes.
Câncer de pulmão como indicador
A taxa de mortalidade por câncer de pulmão como indicador do dano acumulado pelo consumo do tabaco é a base do método indireto desenvolvido pelos pesquisadores norte-americanos Richard Doll e Richard Peto, empregado por Cristiano Reis em sua pesquisa. “No Brasil, estudos que estimam a mortalidade atribuível ao tabagismo são escassos devido à indisponibilidade de informações confiáveis. Por isso, foi fundamental o emprego dessa metodologia que combina técnicas indiretas, além do cruzamento de informações de natureza transversal sobre o Brasil e estimativas feitas em países desenvolvidos”, justifica o pesquisador.
A primeira estimativa realizada no país foi feita com base no Inquérito Domiciliar sobre Componentes de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis (2002-2003). Na época, a mortalidade atribuível ao tabagismo em 16 capitais brasileiras equivalia a 13,6% das mortes registradas na população com idade superior a 35 anos. O percentual de consumo entre os homens foi de 18,1% frente aos 8,7% registrados entre as mulheres, segundo levantamento coordenado por Paulo Cesar Rodrigues Pinto Correa, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), e publicado em 2009.
Em trabalho de 2015, Márcia Teixeira Pinto, da Fundação Oswaldo Cruz, e colaboradores estimaram a mortalidade atribuível ao tabagismo para todo o país em 2011, com base na Pesquisa Especial do Tabagismo (Pnad/2008). Segundo a autora, o consumo do tabaco foi responsável por 14,7% dos óbitos no país – 95.445 homens e 34.707 mulheres morreram em decorrência do uso do fumo. O tabagismo passivo (exposição indireta ao tabaco) teria causado 16.920 mortes. Os resultados mostraram, ainda, que a expectativa de vida dos homens fumantes é cinco anos menor em relação à dos não fumantes, ao passo que, entre as mulheres fumantes, a expectativa de vida é 4,5 anos menor em relação às não fumantes.
Nas últimas três décadas, o Brasil investiu, com sucesso, em políticas públicas de combate ao tabagismo e conseguiu redução de 60% no número de fumantes, no período de 1989 a 2013. No primeiro ano da série, homens e mulheres fumantes representavam, respectivamente, 43,3% e 27% da população. Em 2013, o país tinha 18,9% de homens fumantes e 11% de mulheres, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).
Embora o tabagismo prevaleça nos grupos socioeconômicos desfavorecidos, a queda do número de fumantes refletiu, segundo estimativa de Cristiano Reis, na expectativa de vida dos brasileiros. De 2015 a 2030, foi projetado ganho aproximado de 2,8 anos entre os homens e 0,3 entre as mulheres.
Tese: A história de tabagismo no Brasil segundo coortes de nascimento, sexo e escolaridade e seus efeitos prováveis sobre a mortalidade adulta futura
Autor: Cristiano Sathler dos Reis
Orientador: Cássio Maldonado Turra
Coorientadora: Kenya Valéria Micaela de Souza Noronha
Defesa: fevereiro de 2019, no Programa de Pós-graduação em Demografia. [2]
[1] “Belmont” by Francisco Mazzei is licensed under CC BY-NC-SA 2.0
[2] Esta notícia científica foi escrita por Teresa Sanches.
Como citar esta notícia científica: UFMG. Seis décadas de fumo. Texto de Teresa Sanches. Saense. https://saense.com.br/2019/05/seis-decadas-de-fumo/. Publicado em 17 de maio (2019).