UFMG
04/07/2019

Oclusões microvasculares são as alterações mais comuns entre os pacientes com retinopatia decorrente da febre amarela (foto: Acervo do Setor de Uveíte do Hospital São Geraldo / HC-UFMG)

A coloração bem amarelada da parte branca dos olhos, indicando icterícia, é um dos sintomas que dá nome à febre amarela, doença infeciosa grave transmitida por mosquitos. Mas, além de uma simples mudança de cor, os olhos podem revelar muito mais sobre essa enfermidade. É o que mostrou pesquisa da Faculdade de Medicina, que identificou e caracterizou alterações na retina associadas à febre amarela, até então desconhecidas, e que podem indicar a gravidade da doença.

Os resultados do estudo, coordenado pelo professor Daniel Vitor Vasconcelos Santos, do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFMG, foram descritos, no mês passado, em periódico da Associação Médica Americana, JAMA Ophthalmology. Devido à sua relevância, o estudo também foi tema
de editorial da publicação e de entrevista com o editor-chefe.

Para a pesquisa, foram coletados dados de 94 pacientes com suspeita de febre amarela transferidos do interior de Minas ou da Região Metropolitana para o Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte. A instituição é referência em doenças infeciosas em Minas Gerais e no país. A análise foi feita após dois recentes surtos da doença. Somente de julho de 2017 a junho de 2018, o Ministério da Saúde registrou 1376 casos de febre amarela e 483 mortes.

Os pacientes foram submetidos a avaliação do fundo de olho como parte do exame oftalmológico. De acordo com o professor Daniel Vasconcelos, o exame é relativamente simples, exigindo dilatação das pupilas para observação da retina. Essa delicada membrana de tecido nervoso capta a luz e a transforma em estímulo elétrico, que é transmitido pelo nervo óptico até o cérebro. Do total de pacientes com suspeita da doença, 64 receberam diagnóstico confirmado de febre amarela. “Os outros 30 pacientes em que a enfermidade foi descartada acabaram formando um grupo controle interessante para a pesquisa, possibilitando a comparação dos resultados”, observa o professor.

Lesões retinianas

O estudo mostrou que 20% dos pacientes tiveram lesões na retina, caracterizando a chamada retinopatia. “Até aquela época, para nossa surpresa, não havia caracterização sistemática de manifestações oculares relacionadas à febre amarela. Isso nos causava estranheza, uma vez que outras doenças virais transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya, resultaram em frequentes manifestações oculares”, comenta Vasconcelos.

A maior parte das lesões poupava a parte central da retina, chamada mácula, a mais importante para a visão. Por isso, nenhum dos pacientes relatou sintomas visuais atribuíveis à retinopatia. No entanto, essas lesões estavam associadas a alguns biomarcadores laboratoriais, como número mais baixo de plaquetas, aumento de bilirrubina, creatinina, lactato e até da aspartato aminotransferase, enzima produzida no fígado. Todas estão relacionadas à doença sistêmica mais grave. “Vimos que a presença da retinopatia nos pacientes era indicador da gravidade da febre amarela”, explica o professor Daniel Vitor.

Sintomas

Os primeiros sintomas da febre amarela são febre alta, cansaço, calafrio, dores na cabeça e no corpo, náuseas e vômitos, que geralmente persistem por três a quatro dias. Parte dos pacientes, entretanto, evolui para a forma mais grave da doença, com insuficiências hepática e renal, icterícia e manifestações hemorrágicas. Nos olhos, a pesquisa mostrou que as alterações mais comuns entre os pacientes com retinopatia foram oclusões microvasculares, resultando em infartos da camada de fibras nervosas da retina. Também foram observadas hemorragias superficiais e outras lesões retinianas mais profundas.

“Acredita-se que muitas das complicações viscerais da febre amarela estão relacionadas a uma resposta inflamatória que leva a dano do endotélio dos vasos sanguíneos, causando sua obstrução e isquemia de órgãos vitais”, avalia o professor da Faculdade de Medicina.

De acordo com o professor, o trabalho representa um pontapé inicial para ampliar o entendimento sobre o possível papel dessas alterações oculares como biomarcadores da doença. “A ideia é trazer o oftalmologista para a equipe de cuidado desses pacientes. O exame de fundo de olho é relativamente simples e não invasivo e pode auxiliar a compreender melhor o impacto da doença no organismo. A indicação de doença mais grave, por exemplo, pode orientar o encaminhamento mais rápido do paciente para o tratamento adequado”, conclui Daniel Vítor Vasconcelos. [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Karla Scarmigliat.

Como citar esta notícia científica: UFMG. Icterícia nos olhos pode indicar gravidade da febre amarela. Texto de Karla Scarmigliat. Saense. https://saense.com.br/2019/07/ictericia-nos-olhos-pode-indicar-gravidade-da-febre-amarela/. Publicado em 04 de julho (2019).

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