Matheus Macedo-Lima
30/08/2019

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Uma das coisas mais importantes que distinguem humanos de outros animais é a nossa capacidade de aprender línguas. Um bebê consegue aprender perfeitamente qualquer língua humana, desde que haja a devida exposição aos sons e prática desde cedo na vida.

Nenhum outro animal é capaz de aprender uma língua humana em toda a sua complexidade. Isso é um problema para neurocientistas interessados em estudar mecanismos da linguagem (assim como eu), porque estudar neurônios humanos “pelo lado de fora da cabeça” é obviamente um obstáculo. Portanto, precisamos estudar animais que apresentem características parecidas.

Há alguns animais que precisam aprender a se comunicar por sons. Eles precisam ouvir outros adultos e treinar bastante quando jovens para se comunicar. Alguns exemplos em mamíferos: morcegos, elefantes, baleias… Imagine um laboratório com baleias!

Um modelo-animal de laboratório ideal deve ser de pequeno porte, fácil e barato de cuidar, e que se reproduz bem em cativeiro. Por isso, cientistas descobriram que os animais mais apropriados para estudar aprendizado vocal no laboratório não são mamíferos…

Pássaros-de-canto apresentam todas essas características. Ao longo de décadas estudando-os, neurocientistas descobriram que há muitas semelhanças entre a forma como essas aves aprendem a cantar e a forma como nós aprendemos a falar. Hoje em dia, descobertas em pássaros são extremamente úteis para informar pesquisas em humanos.

Detalhe nerd 1: nem todo pássaro que canta é um pássaro-de-canto. Pássaros que aprendem a cantar são da ordem Passeriformes, subordem Oscines.

Detalhe nerd 2: papagaios e beija-flores são outros exemplos de pássaros que aprendem vocalizações. Cientistas acreditam que a origem evolutiva dessa característica é independente, ou seja, sem relação com os pássaros-de-canto.

Recentemente, pesquisadores da Universidade de Columbia em Nova Iorque [2] testaram o seguinte: se bebês-humanos conseguem aprender qualquer língua, será que bebês-pássaros fazem algo parecido? Em outras palavras, se uma ave for criada e “educada” por uma espécie com um canto diferente, será que eles aprendem? Por fim, será que o cérebro mantém uma preferência pelo canto da própria espécie, ou passa a preferir o canto que lhe foi ensinado?

Para isso, eles usaram três espécies primas (diamante-mandarim, manon e bavete-de-cauda-longa), porém com cantos bem diferentes. Os pesquisadores deram pais adotivos de espécies diferentes a pássaros recém-nascidos, esperaram-nos crescerem e avaliaram seus cantos. Eles descobriram que os pássaros aprenderam quase perfeitamente os cantos da outra espécie! Mais uma semelhança entre nossa linguagem e o canto dos pássaros.

Além disso, ao comparar a atividade de neurônios auditivos de pássaros que foram criados pela outra espécie (adotiva), os cientistas encontraram que em quase todas as áreas do córtex auditivo há uma preferência (maior resposta elétrica) pelo canto da espécie adotiva. Ou seja, aprender uma “língua diferente” faz com que neurônios “prefiram” aquela língua, mesmo quando esta é de outra espécie (no caso dos pássaros)!

Em resumo, esse estudo mostra que pássaros-de-canto tem uma alta capacidade de aprendizado vocal, conseguindo imitar até outras espécies, quando “alfabetizados” desde a infância e que neurônios auditivos passam a preferir essa nova língua. Esse modelo experimental pode ser usado para entender melhor como o cérebro se desenvolve aprendendo “línguas” diferentes e pode ser muito útil para informar como o nosso cérebro é alfabetizado.

[1] “Créditos da imagem: Mary Pahlke.” [Online]. Available: https://pixabay.com/illustrations/hello-bonjour-hi-greeting-foreign-1502369.

[2] J. M. Moore and S. M. N. Woolley, “Emergent tuning for learned vocalizations in auditory cortex,” Nat. Neurosci., vol. 22, no. 9, pp. 1469–1476, Sep. 2019.

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Mais vale um pássaro no laboratório: como o cérebro aprende outras línguas. Saense. https://saense.com.br/2019/08/mais-vale-um-passaro-no-laboratorio-como-o-cerebro-aprende-outras-linguas/. Publicado em 30 de agosto (2019).

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