UFRGS
20/09/2019

Pesquisa envolveu testes com cultura de células e com animais – Foto: Secom/UFRGS

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), cerca de 30 casos de câncer infantil são diagnosticados por dia no Brasil. O câncer é a maior forma de morte infanto-juvenil e, entre estes, cerca de 20% acometem o cérebro. Atualmente, procedimentos como radioterapia e quimioterapia são utilizados para o tratamento da doença; podem, no entanto, ser prejudiciais quando aplicados em crianças, uma vez que há o risco de desencadearem problemas no processo de desenvolvimento cerebral. O organismo da criança difere do do adulto porque ainda está em fase de amadurecimento. Por isso, grandes exposições a químicos, como a radiação, podem ocasionar alterações hormonais e até danos físicos. A procura por uma nova forma de tratamento de câncer infantil que seja tolerada pelas crianças pequenas é extremamente importante para o avanço da medicina, e é isso que propõe um estudo realizado pelo Centro de Pesquisa Experimental da UFRGS em colaboração com o Instituto de Câncer Infantil (ICA), a Universidade de Toronto e o Hospital for Sick Children (Toronto, Canadá).

O artigo Antitumor activities and cellular changes induced by TrkB inhibition in medulloblastoma (Atividades antitumorais e alterações celulares induzidas pela inibição de TrkB no meduloblastoma, na tradução para o português), publicado em junho na revista científica Frontiers in Pharmacology, discorre sobre inibir o receptor da proteína que desencadeia o processo de multiplicação celular – um dos maiores problemas para o tratamento do câncer. O trabalho faz parte da tese de doutorado de Amanda Thomaz, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular da UFRGS e orientada pelo professor do Departamento de Farmacologia e pró-reitor de Pesquisa da UFRGS, Rafael Roesler.

A ideia para a pesquisa surgiu em 2010 e foi pensada primeiro para tumores de colo de útero em adultos. Depois, evoluiu para tumores infantis, focando em um tipo específico chamado meduloblastoma. Tipo de câncer cerebral mais comum entre as crianças, o meduloblastoma se inicia na região do cerebelo, que fica na parte inferior traseira do cérebro. “O câncer infantil é diferente do do adulto porque o câncer deste pode ser explicado por um dano biológico acumulado por muito tempo na célula, já o câncer infantil não, ele pode ser uma modificação embrionária ou genética”, explica Roesler.

Como foi feita a pesquisa

O estudo foi dividido em duas partes. Mariane da Cunha Jaeger, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular da UFRGS e integrante do projeto de pesquisa, conta que a primeira etapa foi baseada em acompanhar o ciclo de uma linhagem celular cultivada com o tumor. Isso significa que a cópia de uma célula humana já com o câncer foi observada durante todo seu período de vida até a apoptose – termo científico para designar a morte celular programada.

A segunda etapa envolveu o teste em animais. As células tumorais foram injetadas em 23 camundongos que foram divididos em dois grupos: um deles recebeu tratamento, e o outro não. O objetivo do experimento era acompanhar o crescimento dos tumores nas duas situações e avaliar se o objeto de pesquisa surtia efeito. O recurso utilizado foi um medicamento que inibe o receptor da proteína que gera a multiplicação celular – processo que torna o câncer uma doença tão difícil de ser tratada. Mariane explicou o estudo através de uma metáfora: é como se as células tivessem antenas que captam sinais. Uma das antenas se chama TRKB, e o sinal que ela capta é a proteína BDNF, responsável pela multiplicação celular. É esse sinal, portanto, que deve ser inibido. Então, para fazer com que a antena TRKB não capte mais o sinal BDNF, utiliza-se um fármaco chamado ANA-12, desenvolvido originalmente por pesquisadores franceses como ansiolítico e antidepressivo e que, neste experimento, manifesta outra possível finalidade. Os camundongos tratados com o medicamento apresentaram bons resultados, tiveram baixa proliferação das células tumorais e, portanto, menor crescimento dos tumores no organismo.

O que os resultados significam

O estudo durou aproximadamente dois anos e representa a possibilidade de uma alternativa para tratamento de cânceres cerebrais infantis do tipo meduloblastoma. Dados do Registro Central de Tumores Cerebrais dos Estados Unidos (CBTRUS, na sigla em inglês) revelam que, dentre os tipos de tumores cerebrais em crianças, aqueles relativos ao meduloblastoma são os de menor taxa de sobrevida nos cinco anos posteriores ao diagnóstico – apenas de 60% a 65% sobrevivem após esse período.

Mariane explicou que o composto específico usado no experimento não poderá ser testado em humanos, porém o mecanismo fundamentado e a ideia do estudo têm grandes perspectivas. Um tratamento similar, sob o mesmo princípio biológico da pesquisa, foi aprovado para uso em novembro de 2018 pela FDA (U.S. Food and Drug Administration), órgão governamental estadunidense responsável pelo controle de alimentos e medicamentos. A medicação Vitrakvi (larotrectinib) é direcionada para tumores da mesma espécie do meduloblastoma, aqueles que envolvem o gene TRK.

Roesler salientou ainda que o estudo só foi possível pelo apoio financeiro tanto do Instituto do Câncer Infantil e do Programa Nacional de Atenção Oncológica (Pronon) quanto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Artigo científico

THOMAZ, Amanda et al. Antitumor activities and cellular changes induced by TrkB inhibition in medulloblastoma. Frontiers in Pharmacology, 26 jun. 2019. [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Mariana Bier.

Como citar esta notícia científica: UFRGS. Pesquisadores procuram alternativa para tratamento de câncer infantil. Texto de Mariana Bier. Saense. https://saense.com.br/2019/09/pesquisadores-procuram-alternativa-para-tratamento-de-cancer-infantil/. Publicado em 20 de setembro (2019).

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