Matheus Macedo-Lima
25/09/2019
Gliomas são os tipos mais frequentes de cânceres de sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal). Quando malignos, são muito agressivos e difíceis de remover, o que resulta numa mortalidade alta nos primeiros anos após o diagnóstico.
O nome “glioma” dá uma dica sobre o tipo de célula responsável. As glias são células no sistema nervoso que realizam diversas funções, como nutrir, proteger e regular a atividade dos neurônios. No glioma, células gliais passam a funcionar mal e multiplicam-se descontroladamente, invadindo tecidos.
Um dos fatores que contribuem para a alta dificuldade de tratamento dos gliomas malignos é a integração desse câncer no sistema nervoso. Em outras palavras, as glias cancerígenas invadem e permeiam o tecido saudável, o que faz com que a “massa” cancerígena (tumor) seja apenas uma parte do problema.
Recentemente, uma descoberta científica nos oferece uma explicação surpreendente para a agressividade dos gliomas e promete revolucionar os tratamentos clínicos.
Cientistas publicaram dois artigos na revista Nature [2], [3], estabelecendo que gliomas não somente invadem os tecidos nervosos, mas também integram os circuitos do cérebro, sabotando as conexões neurais. Além disso, eles mostram que essa integração é dependente da atividade dos neurônios, ou seja, quanto mais atividade, maior a progressão do tumor.
Para um dos numerosos experimentos, os pesquisadores desenvolveram células cancerígenas com uma mutação em um receptor (AMPA), que faz com que as células cancerígenas sejam menos ativadas por neurônios. Após infectar camundongos com células cancerígenas, observou-se que o câncer com a mutação no receptor era menos letal.
Em um experimento no outro artigo, os cientistas mostram que uma droga comumente utilizada na clínica para tratamento de epilepsia (perampanel; um antagonista de receptores AMPA) é capaz de desacelerar o crescimento e multiplicação das células tumorais no cérebro de camundongos.
Para comprovar que isso também parece ser real em humanos, utilizando a técnica de estimulação magnética transcraniana, os pesquisadores mostram em pacientes que a área do tumor era mais ativa eletricamente do que áreas não afetadas do cérebro, o que corrobora ainda mais a hipótese.
Portanto, esses resultados mostram pela primeira vez que os gliomas fazem conexões com neurônios saudáveis, o que, por sua vez, é responsável seu crescimento e agressividade. Se por um lado isso explica o porquê da dificuldade de remoção desses tumores, essa descoberta oferece um novo universo para o tratamento desses tumores, por meio da redução da atividade do tecido nervoso em contato com o glioma.
[1] “Crédito da imagem: MesserWoland.” [Online]. Available: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gray_ribbon.svg.
[2] H. S. Venkatesh et al., “Electrical and synaptic integration of glioma into neural circuits,” Nature, vol. in press, 2019.
[3] V. Venkataramani et al., “Glutamatergic synaptic input to glioma cells drives brain tumour progression,” Nature.
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Por que cânceres cerebrais são tão agressivos? Saense. https://saense.com.br/2019/09/por-que-canceres-cerebrais-sao-tao-agressivos/. Publicado em 25 de setembro (2019).