Jornal da USP
15/09/2020

(Imagem de Yuri_B por Pixabay)

Por Claudia R. C. Moreno, professora associada da Faculdade de Saúde Pública da USP

Os primeiros humanos surgiram na África, em uma região com latitude de cerca de 10 graus, onde há aproximadamente 12 horas de luz natural e 12 horas de escuro o ano todo. Com o tempo, nossa espécie atingiu outras regiões e, consequentemente, ficou exposta a maiores variações de claro e escuro ao longo das estações. Nosso sistema de temporização interno – o relógio circadiano – sincroniza os mecanismos fisiológicos às mudanças ambientais periódicas. Isso possibilita que os humanos sobrevivam em diferentes latitudes, sob diferentes equilíbrios de luz e escuridão diárias.

A variação sazonal em vários parâmetros do sono foi estudada em latitudes elevadas, onde o período de luz natural varia enormemente ao longo do ano. Como esperado, as latitudes extremas reduzem a exposição à luz natural durante o inverno. A curta exposição à luz natural está associada a sono insuficiente e alterações de humor, incluindo o episódio depressivo de transtorno afetivo sazonal. Durante um inverno rigoroso no extremo norte, observamos atrasos no sono no início do sono e mais sonolência, em comparação com o verão. Isso pode parecer supreendente, uma vez que o verão costuma estar associado à ideia de ir dormir mais tarde.

Embora a curta exposição à luz natural seja a regra geral durante o inverno em latitudes extremas, o mesmo padrão pode ocorrer em regiões equatoriais quando as horas de trabalho confinam as pessoas em ambientes fechados sem a oportunidade de estar ao ar livre sob a luz do sol. Em outras palavras, independentemente da latitude, as pessoas podem ter sono insuficiente devido à falta de exposição à luz solar. Mesmo os trabalhadores noturnos podem ficar em casa durante o dia enquanto tentam dormir, reduzindo assim sua exposição ao sol.

Grandes reduções na exposição à luz natural podem perturbar nosso relógio circadiano, resultando em desalinhamento com o ciclo claro-escuro e sinais sociais, as fontes primárias de arrastamento ambiental. Entre os trabalhadores noturnos, esse desalinhamento crônico tem sido associado ao câncer de mama e de próstata e a doenças cardiovasculares e metabólicas.

A exposição à luz elétrica artificial e a exposição à luz natural reduzida apresentam riscos à saúde. A falta de luz natural atrasa o início do sono, apesar da iluminação da luz elétrica à noite. Por outro lado, há evidências convincentes de que o uso de dispositivos LED próximo à hora de dormir – telefones celulares, laptops, tablets – também contribui para o atraso do início do sono, devido ao seu comprimento de onda curto e perfil de emissão de luz azul. O problema é prevalente em áreas urbanas, que apresentam maior uso desses dispositivos, juntamente com uma cultura noturna de atividade social. Na verdade, nossos dados mostram claramente uma duração mais curta do sono e um início mais tarde do sono em moradores da cidade em comparação com pessoas que vivem em áreas rurais.

O estudo de comunidades em diferentes latitudes e níveis de urbanização – nosso foco de pesquisa – pode ajudar a delinear os fatores de risco que estão por trás de um conjunto distinto de distúrbios do sono, distúrbios mentais e doenças físicas.

Como citar este artigo: Jornal da USP. Vida em diferentes latitudes.  Texto de Claudia R. C. Moreno. Saense. https://saense.com.br/2020/09/vida-em-diferentes-latitudes/. Publicado em 15 de setembro (2020).

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