Jornal da USP
25/10/2019

De acordo com pesquisador, a maioria das empresas tem seu funcionamento interno guiado pela Teoria da Agência, que prevê comportamento oportunista e individualizado dos executivos. A Teoria de Stewardship vai por outro caminho – Foto: Cecília Bastos/ USP Imagens

As empresas familiares são um modelo de negócios em trajetória de crescimento. De acordo com a Pesquisa Global sobre Empresas Familiares 2018, da PwC, no ano passado elas registraram o nível de crescimento mais alto desde 2007. Mesmo assim, existe uma ideia generalizada de que, em comparação com as demais, essas organizações são de menor porte, com pouca estrutura e menos eficiência.

Mas a realidade não é bem assim, como mostra a pesquisa Mecanismos de controle gerencial e stewardship em empresas familiares: uma análise de antecedentes e consequências, defendida pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e vencedora do Prêmio Tese Destaque USP na categoria das Ciências Sociais Aplicadas.

O estudo, de autoria de Daniel Magalhães Mucci, analisou o papel dos mecanismos gerenciais sobre o comportamento e desempenho das empresas familiares.  Os resultados apontam, dentre outros aspectos, que elas costumam ser orientadas por diferentes fatores em relação às demais, e seu desempenho financeiro pode ser igual ou superior.

Abordagem teórica

Uma das particularidades do estudo foi fazer a análise da estrutura das empresas a partir da chamada Teoria de Stewardship. Em contabilidade, como explica o pesquisador, a mais comumente utilizada é a Teoria da Agência. Nesta, entende-se como principal indicador para o comportamento dos executivos o interesse oportunista, individualista e nem sempre alinhado com os interesses da alta administração. É com esse pensamento que as empresas costumam adotar mecanismos de avaliação de desempenho e recompensa em sua dinâmica de funcionamento.

A Teoria do Stewardship é um contraponto a essa ideia. “Ela prevê que os comportamentos de executivos dentro da empresa são por si só alinhados com os interesses da alta administração e, como pressuposto, são coletivistas e focados no olhar de longo prazo”, afirma Daniel

A informações vieram por meio de questionários com cerca de 150 empresas brasileiras de médio e grande porte, de capital privado e diferentes ramos de atuação. Com os resultados, foi criado um banco de dados que serviu de base para toda a pesquisa, dividida em três artigos. 

No primeiro artigo foi analisada a influência da família na administração das empresas. Como explica Daniel, a maior parte da literatura na área considera que os aspectos objetivos dessa influência, como o controle acionário ou a presença de familiares em altos cargos, eram os principais para determinar o modo como se desenhavam os mecanismos gerenciais.

Entretanto, o novo levantamento aponta que na verdade são fatores subjetivos que têm papel mais importante nessa dinâmica. “Quando a família tem intenção de perpetuar o negócio para futuras gerações, por exemplo, ela tende a implementar mecanismos mais participativos, visando a troca de conhecimentos e informação entre executivos. Também há um maior nível de formalização, para consolidar o conhecimento e a visão de longo prazo que a família tem em relação ao negócio”, diz Daniel. “E, oposto a isso, a intenção da família de manter seu controle e influência independente da intenção de longo prazo é vista como um fator inibidor da adoção desses mecanismos participativos e formais.”

Depois, o pesquisador se dedicou a investigar como esses mecanismos impactam no comportamento do restante da empresa – esse foi o foco do segundo artigo. O estudo mostrou que os modelos menos centralizados, em que há maior participação de todos os executivos, fomentam nestes um comportamento coletivista e alinhado com os interesses da administração. Isso acontece porque esses mecanismos estão associados a uma percepção de justiça maior por parte dos funcionários, e essa percepção incentiva a conduta com caráter de stewardship, de longo prazo e coletivista.

Por fim, o último artigo traz uma avaliação de como tudo isso pode afetar o desempenho financeiro das empresas. Em geral, os resultados mostraram que as organizações que tinham um membro da família como presidente tinham rentabilidade maior que as demais. Enquanto isso, nas empresas em que a principal liderança não era da família, a cultura de stewardship ajudava a diminuir essa diferença. “Quando a empresa apresentava fortes comportamentos de stewardship, eles mitigavam o efeito negativo da presença do executivo que não é da família”, resume Daniel.

Os dados levantados pela pesquisa representam uma contribuição de grande valor tanto para a academia quanto para a gestão empresarial na prática. Além de confrontar a visão do senso comum sobre empresas familiares, a pesquisa mostra que há uma alternativa pouco explorada de organização dos negócios. Como Daniel coloca, “em geral, toda a cultura e prática das empresas foram estruturadas dentro da lógica da Teoria da Agência. Com o estudo, mostramos que esse não necessariamente é o comportamento predominante de todas as empresas, principalmente nas familiares”.

Internacionalização

Um outro destaque positivo na tese foi o fato de que, desde o início, ela foi pensada como uma pesquisa de caráter internacional. Como explica Daniel, a ideia foi incentivada pelos coordenadores do programa de Pós-Graduação em Controladoria e Contabilidade da FEA. Através do professor Fabio Frezatti, principal orientador do trabalho, o pesquisador entrou em contato com a professora Ann Jorissen, da Universidade da Antuérpia, na Bélgica, que se tornou sua coorientadora. 

Daniel ressalta que a parceria foi importante para todo o desenvolvimento da pesquisa, e também depois de sua conclusão. Foi a partir da contribuição da professora Ann, por exemplo, que a tese pôde ser produzida por meio de artigos, por exemplo. Comum em universidades europeias, esse modelo facilita a divulgação dos resultados posteriormente.

“Essa experiência internacional foi um divisor de águas em termos de perspectiva crítica, da abordagem metodológica, discussão das contribuições e, principalmente, na inserção da pesquisa no contexto internacional”, diz o pesquisador.

Agora, Daniel trabalha na publicação final dos artigos em revistas científicas. Para conferir o trabalho na íntegra, acesse a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.

Mais informações: e-mail danielmmucci@usp.br, com Daniel Mucci. [1]

[1] Texto de Matheus Souza.

Como citar esta notícia científica: Jornal da USP. Pensamento coletivo e de longo prazo pode tornar empresas mais rentáveis. Texto de Matheus Souza. Saense. https://saense.com.br/2019/10/pensamento-coletivo-e-de-longo-prazo-pode-tornar-empresas-mais-rentaveis/. Publicado em 25 de outubro (2019).

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