Márcia A. Rocca
06/10/2019

Crédito da foto: Márcia A. Rocca

Quanto você precisa pagar para ver isso?

Eu? Nada. Tirei essa foto no quintal de minha casa. É uma cambacica tomando néctar numa flor de cana. O que a cambacica provavelmente nem percebe é que ao fazer isso, ela poliniza a planta. Ou seja, recebe uma carga de pólen, que não é o gameta da planta, mas que contém o gameta masculino da planta. E quando ela visitar outra flor, esse gameta masculino (similar em função a um espematozóide) talvez finalmente encontre e se junte a um feminino – o que pode levar à produção de uma semente (com um embrião) e a produção de um fruto.

Esse é só um exemplo disso em nosso dia-a-dia. Se olharmos ao nosso redor, no quintal de casa, nos jardins de condomínios, da Universidade ou de seu local de trabalho, nas ruas e suas plantas plantadas ou em plantas ruderais que crescem a contragosto da jardinagem podemos ver esse tipo de interação entre um visitante floral e as flores das plantas. Também em parques, no campo, no meio do mato, em locais mais… naturais. E se ocorre essa interação de polinização, esses animais, então, são polinizadores.

Num exercício de imaginar quais bichos podem ser e devem ser polinizadores, provavelmente se eu te perguntar um polinizador você deve responder logo como primeiro de sua lista: as abelhas. Sim, as abelhas precisam do recurso que encontram nas flores (néctar, o próprio pólen e outros que existem) para sua sobrevivência, individual e da colmeia, caso sejam sociais – sim, porque existem abelhas solitárias. Depois você pode se lembrar das borboletas e mariposas que, como nossos beija-flores, dependem muito do néctar das flores. Além do néctar, borboletas e mariposas quando lagartas comem folhas, enquanto beija-flores precisam suprir com insetos seu cardápio diário. Um enorme grupo de bichos se utiliza de recursos florais, numa lista talvez surpreendente para muitos, mas não a geração de frutos muito presentes em nosso cotidiano [1]: os besouros contribuem na polinização do açaí, da abóbora e do quiabo; as aves, do bacuri e do pequi; as vespas, da pera e da manga; os morcegos, do pequi e do jatobá-do-cerrado, assim como outros pequenos mamíferos; os percevejos ajudam apenas na polinização do bacabi e… as moscas – sim! Moscas?! – contribuem na polinização do cacau, da manga e do pimentão. Culturas importantes de nosso país dependem da polinização por abelhas, como soja, café, maçã, melão, tomate, feijão, acerola, maracujá, guaraná. Lembrando ainda da produção de mel e de própolis desses animais. Borboletas e mariposas polinizam e produzem mangaba, laranja e pera, dentre outros. Essas culturas podem depender apenas de um grupo desses polinizadores ou de uma combinação desses ou da polinização também pelo vento ou simplesmente não precisar de polinizador por se autopolinizar (a própria flor dá conta do recado) ou produzir frutos sem polinização… (mas isso é uma outra história…) [2].

E esse serviço de polinização é tido de graça a partir da Natureza. Assim, a polinização faz parte desses serviços ambientais ou ecossistêmicos que beneficiam o ser humano sem custos para o beneficiado. Existem vários tipos de serviços e a polinização que enfocamos aqui está no grupo de serviços de regulação [3]. Apesar de grande parte desse serviço ser realizada por animais (e aqui podemos ressaltar a importância da biodiversidade), há plantas que precisam ser polinizadas pelo vento ou, menos frequente, pela água.

Volto à minha pergunta inicial, mas agora pergunto: quanto você precisa pagar por isso? A resposta ainda é a mesma, nada. Mas agora algo que é de graça apresenta uma grande importância, tem um grande valor, apesar de não ter um preço.

Em fevereiro desse ano, foi lançado o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil [1]. Neste documento, das 191 diferentes culturas (dentre cultivadas e silvestres) utilizadas no Brasil e que se tem informações sobre o serviço de polinização que precisam, reuniu-se informação suficiente para apontar em 91 delas a taxa de dependência da polinização por animais em sua produção, relacionando polinização e o incremento da produção em cada uma dessas espécies. Esse incremento pode variar de essencial a pouco. Os autores do relatório [1] utilizaram um método que é multiplicar a taxa de dependência do cultivo pelo montante gerado pela produção anual do cultivo a fim de precificar o serviço ecossistêmico da polinização para cada cultivo no país. No total, isso gira em torno de 43 bilhões de reais anuais, sendo que 80% disso são produzidos apenas por soja, café, laranja e maçã. Quanta responsabilidade a desses polinizadores…

Mas políticas públicas devem ser pensadas para que esses serviços de polinização continuem a existir – e em diferentes escalas. O relatório [1] apontou que não havendo monitoramento de longo prazo desses polinizadores, isso dificulta a avaliação desse serviço, apesar de declínios serem previstos em estudos de modelagem e observados em locais com perda de habitat. Agrotóxicos, pesticidas, poluição do ar, espécies exóticas (ou seja, introdução de novas espécies de animais ou de plantas), mudança no uso da terra e mudanças climáticas atuam negativamente sobre o resultado desses serviços de polinização, impactando na produção final. A conservação de polinizadores necessariamente passa por políticas públicas de apoio a uma agricultura que seja produtiva e ambientalmente sustentável [4].

Nesse sentido, em setembro desse ano o Congresso Nacional voltou a olhar para o projeto de lei sobre Pagamento por Serviços Ambientais (PL 312/2015). Dentre outros, institui um pagador de serviços ambientais, que pode ser o Poder Público ou privado, que transfere recursos financeiros ou outra forma de remuneração a um provedor desses serviços, que pode ser pessoa física ou jurídica, grupo familiar ou comunitário que “mantém, recupera ou melhora as condições ambientais de ecossistemas que prestam serviços ambientais”.

Dessa forma, proprietários que mantenham áreas naturais que possam fornecer outros recursos aos polinizadores (como outros tipos de alimentos, local para descansar, nidificar) podem ser remunerados por contribuir com as populações desses polinizadores e a manutenção desses serviços de polinização. Isso sai de um instrumento de comando-e-controle (de multar a conduta fora da lei) para um modelo provedor-recebedor e beneficiário-pagador, ambos voluntários, de uma Economia Ecológica [3].

Agora, com um preço, talvez o serviço desses polinizadores seja mais valorizado, assim como aqueles cidadãos que ajudam a conservá-lo.

[1] M Wolowski et al. Relatório temático sobre polinização, polinizadores e produção de alimentos no Brasil. 1. ed. Editora Cubo (2019). Disponível em: https://www.bpbes.net.br/wp-content/uploads/2019/02/BPBES_Completov5.pdf.

[2] Para mais informações sobre polinização ver: K. Agostini et al. Biologia da Polinização. Projeto Cultural. Rio de Janeiro (2014). Disponível em: https://www.mma.gov.br/publicacoes/biodiversidade/category/57-polinizadores.html.

[3] Ótima leitura e atualizada: P May (Org.). Economia do Meio Ambiente. 3ª edição. Elsevier. Rio de Janeiro (2018).

[4] VL Imperatriz-Fonseca et al. (eds). Polinizadores no Brasil: contribuição e perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo (2012). Disponível em: http://www.livrosabertos.edusp.usp.br/edusp/catalog/book/8.

Como citar este artigo: Márcia A. Rocca. Serviços ambientais ou ecossistêmicos: o valor da polinização no Brasil. Saense. https://saense.com.br/2019/10/servicos-ambientais-ou-ecossistemicos-o-valor-da-polinizacao-no-brasil/. Publicado em 06 de outubro (2019).

Artigos de Márcia A. Rocca Home