UFPR
21/11/2019

Imagem de Gerd Altmann/Pixabay

Um estudo realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) indica uma relação entre a esperança das crianças em situação de vulnerabilidade com o papel da sua família extensa. A pesquisa, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação, investigou como as crianças percebem a si mesmas, suas famílias e as práticas educativas dos cuidadores, além de ter analisado também a autoestima e os eventos de stress.

Orientada pela professora Lidia Weber, a pesquisadora Luana Cavicion Gomes desenvolveu o mestrado em ambientes diferentes: as chamadas casas lares, em que crianças são acolhidas por uma mãe e um pai social, e uma Organização Não Governamental situada em uma zona favelizada de Curitiba. Ela entrevistou 70 crianças, de 8 a 17 anos – 40 delas frequentavam a OnG em contraturno escolar e 30 foram acolhidas por decisão judicial em duas casas lares. O estudo também envolve dados quantitativos e escalas para cada um dos indicadores investigados.

A pesquisa exigiu sensibilidade diante dos depoimentos de abusos, violência e sofrimento coletados ao longo dos anos – mas também deu à Luana percepções bonitas sobre como as crianças enfrentam e reagem às dificuldades. Amparada na psicologia positiva, que busca desenvolver os aspectos positivos das pessoas ao invés de focar em suas doenças e fragilidades,  ela descobriu que, mesmo vivendo situações tristes, as crianças e adolescentes entrevistados tinham esperança.

“A esperança é a percepção das habilidades para encontrar caminhos que motivem a si para alcançar objetivos”, explica a professora. “Pode ser sintetizada como os caminhos que nos levam a alcançar o que queremos”, completa Lidia. Para chegar à escala de esperança, a pesquisa utilizou um questionário com seis itens, cuja pontuação poderia variar de um a seis. Os resultados indicam que, entre as crianças pesquisadas, as que vivem nas casas lares estão pouco abaixo da média, enquanto as que participavam da OnG estão um ponto acima.

Uma das crianças entrevistadas, por exemplo, revelou, aos 9 anos, a esperança de morar em outro país. “Um dia eu quero ir lá naquele país onde fica Paris, vou estudar e juntar dinheiro para um dia conhecer aquele lugar lindo”, disse. A esperança, vista como um fator de proteção, também pode envolver outros objetivos, como na fala de um jovem de 16 anos. “Tenho esperança de melhorar a relação com meus pais, aprender bem o inglês e ir para fora do país”.

Outro ponto de destaque foi a influência da relação entre pai e mãe: quanto melhor o relacionamento entre eles, maior a esperança da criança. Além disso, quanto mais eles trabalham a comunicação positiva e o envolvimento, mais isso se reflete nos pequenos. “A esperança em crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social é adaptativa e funcional, ter esperança e focar na resolução dos problemas são atributos que auxiliam no enfrentamento das adversidades e/ou dificuldades e pressupõem menos estresse”, explica a professora.

Práticas educativas parentais e família como base de afeto

Investigadora das práticas educativas parentais, Lidia explica que todo ser humano precisa se sentir um sujeito de afeto de alguém e que este primeiro afeto vem justamente da família. “Em todos os cursos e palestras que ministro, sempre destaco para os pais trabalharem o cuidado, o afeto e o amor”, explica.

A importância do núcleo familiar foi destacada pelas próprias crianças entrevistadas. De um modo lúdico, elas foram questionadas sobre quem levariam em um foguete para morar em outro planeta: 58,6% das crianças entrevistadas na OnG levariam a família nuclear – já nas casas lares, a maioria (37,9%) levaria os funcionários da Casa Lar.

As diferenças também se evidenciaram quando as crianças foram questionadas sobre o que pediriam a um gênio. Enquanto as que estão distantes de um convívio familiar preferiam um modelo familiar adequado (27,6%), as que possuem esse convívio escolhiam bens materiais (61,0%), mas logo em seguida um modelo familiar adequado, sem brigas e/ou discussões (24,3%)

Ainda que a proposta do estudo não tenha sido comparar as crianças que frequentam a OnG com as que estão com uma família social, as diferenças nos dados são simbólicas para se perceber as distinções entre aquelas que têm e não têm a presença familiar. E, neste caso, há um dado significativo: as práticas educativas parentais daqueles que vivem com suas famílias são ainda muito baseadas na punição física, o que não é observado nas casas lares. “Mesmo as famílias sendo por vezes um fator de risco, por usarem de práticas educativas punitivas- surras, palmadas, palavras agressivas, a participação destas e da figura masculina na vida dessas crianças e adolescente é um dos mais significativos pilares de apoio na construção da sua autoestima e esperança”, reflete a professora.

Políticas públicas e institucionalização

Embora teça elogios às casas lares que acolheram a pesquisa, Lidia explica que, ao longo da história, o país viveu diferentes etapas da institucionalização do cuidado com as crianças que são abandonadas ou retiradas do convívio familiar. Segundo ela, muitos países já estão aderindo ao modelo foster care – quando essas crianças são acolhidas por uma família, paga pelo Estado e acompanhadas por uma política de assistência social.

Ao investigar as práticas educativas nas casas lares e compará-las com as práticas educativas parentais entre crianças em situação de vulnerabilidade, a pesquisa indicou, também, riscos de que as crianças que passam por altos níveis de stress e são punidas fisicamente possam também virem a viver situações de abandono.

“As crianças das casas lares foram tiradas do risco, mas há outras que, em suas famílias, estão em risco”, reforça Luana. Como a família é considerada a base de qualquer socialização, as estatísticas e as entrevistas demonstram a necessidade de se pensar em políticas públicas que as inclua. “No caso das práticas educativas parentais, é importante que OnGs e políticas públicas estejam atentas para acolher não só as crianças, mas também as famílias”, pondera Lidia. [1]

[1] Texto de Amanda Miranda.

Como citar esta notícia científica: UFPR. Esperança é aspecto positivo encontrado em crianças em situação de vulnerabilidade, indica pesquisa. Texto de Amanda Miranda. Saense. https://saense.com.br/2019/11/esperanca-e-aspecto-positivo-encontrado-em-criancas-em-situacao-de-vulnerabilidade-indica-pesquisa/. Publicado em 21 de novembro (2019).

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