UFRGS
05/11/2019

Arroio Dilúvio nas proximidades da Ponte de Pedra, trecho final do Riachinho, como era carinhosamente chamado pelos moradores de suas margens – Fonte: Acervo Fototeca Sioma Breitman – Museu Joaquim José Felizardo

“Eu não escolhi o tema da minha dissertação, foi ele que me escolheu”, conta a professora de Geografia da Prefeitura Municipal de Porto Alegre Daniele Vieira. Sua dissertação de mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS, leva o título Territórios negros em Porto Alegre (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano. Nela a professora analisa como as transformações urbanas da capital gaúcha influenciaram na história das comunidades negras da cidade. No trabalho, a pesquisadora, que agora cursa o doutorado no mesmo programa de pós-graduação, destaca o constante esquecimento dos espaços ocupados pelas populações negras na memória da cidade e relembra as contribuições − não só materiais como também simbólicas − do segmento negro para Porto Alegre. A pesquisa consistiu, inicialmente, em marcar nos mapas históricos da cidade os territórios negros destacados para averiguar como eles foram se constituindo conforme a cidade se expandia. O próximo passo foi fazer trabalho de campo: ir até os locais e conhecê-los de perto.

No dia 6 de setembro deste ano, o estudo de Daniele recebeu mais uma homenagem nacional: menção honrosa de dissertação do Prêmio Maurício de Almeida Abreu, na área de Geografia Humana, durante o XIII Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege). Em maio do ano passado, seu trabalho já havia ganhado destaque no concurso promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), XI Prêmio Brasileiro “Política e Planejamento Urbano Regional”, na categoria Dissertação de Mestrado.

Daniele explica que a ideia para o tema estudado surgiu em uma saída de campo com um linha de ônibus especial do projeto “Territórios negros: afro-brasileiros em Porto Alegre”. Ofertado pela prefeitura até 2017, o passeio possuía fins pedagógicos e percorria os antigos territórios negros da cidade. A iniciativa começou em 2008, traçando o trajeto inspirado pelo poeta Oliveira Silveira, um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra no Brasil. A professora explica que, durante o passeio, conheceu lugares dos quais antes não fazia ideia da existência. “Numa única noite eu conheci vários espaços da cidade que se referiam à minha origem, à memória negra da cidade, e que eu, já adulta e morando praticamente a vida inteira em Porto Alegre, não conhecia.”

A perspectiva do trabalho de Daniele é romper com uma visão dos territórios negros como espaços segregados e valorizar quem os habitava. “Uma das preocupações do estudo é trazer à tona a memória de alguns destes espaços de sociabilidade, tendo como fio condutor a presença negra”, afirma a autora da dissertação. Ela procurou abordar no trabalho para além do que as comunidades sofriam, focando principalmente o que elas produziam e a maneira como utilizavam os espaços para sociabilidade. O Parque Farroupilha, popularmente conhecido como Parque da Redenção, foi destacado por se adequar a essa ideia.

O Parque Farroupilha – a “Redenção”

A denominação de Campos da Redenção surgiu em 1884, em homenagem à libertação dos escravos do terceiro distrito da Capital. O nome do parque se referia à redenção de centenas de escravos quatro anos antes da abolição no país. A ideia era registrar a vitória da luta abolicionista. Ao redor do local, que antigamente era um campo sem árvores, ocorriam batuques pelos quais a Redenção também era conhecida, como o famoso batuque da Mãe Rita. A partir de 1935, passou a ser chamado oficialmente de Parque Farroupilha.

O deslocamento dos territórios negros de Porto Alegre ocorreu, muitas vezes, como consequência da urbanização da cidade. Com as melhorias de luz, água e calçamento nas ruas, o custo de vida dos locais encarecia. No entanto, também existiram obras específicas que influenciaram nesse processo, como no caso da Ilhota.

Da antiga Ilhota para a Restinga

A região chamada Ilhota existiu até o fim da década de 60 em Porto Alegre, antes da canalização do Arroio Dilúvio. Era uma parcela de terra circundada pelas águas do arroio, que se assemelhava a uma ilha dentro da cidade. Estava localizada no espaço que hoje fica entre a Praça Garibaldi e a Av. Ipiranga, abrangendo a área entre a Av. General Lima e Silva e a Av. Getúlio Vargas. A ilhota era composta por poucas ruelas e ocupada por pessoas de baixa renda, já que era uma região conhecida pelas inundações do Arroio Dilúvio – fazendo jus ao nome do córrego. Também era famosa pelos populares carnavais da cidade e pelo seu mais memorável habitante, Lupicínio Rodrigues, músico porto-alegrense e autor do hino do clube de futebol Grêmio. Com a canalização do Arroio Dilúvio, as pessoas que antes moravam na Ilhota foram deslocadas para o bairro Restinga, distante aproximadamente 20 km do centro da cidade.

Em março, Daniele iniciou o doutorado no qual pretende dar continuidade aos estudos sobre os territórios negros da cidade. A professora conta que procurará explorar, na sua tese, ainda mais as formas de apropriação dos espaços e as estratégias utilizadas por quem persistia em ocupá-los. Sua dissertação ganha importância principalmente pela troca de narrativa na perspectiva geográfica: Daniele destaca as comunidades negras como sujeitos da própria história.

Dissertação

Título: Territórios negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): geografia histórica da presença negra no espaço urbano
Autora: 
Daniele Machado Vieira
Orientadora: 
Adriana Dorfman
Unidade: 
Programa de Pós-Graduação em Geografia. [1]

[1] Texto de Mariana Bier.

Como citar esta notícia científica: UFRGS. Sujeitos da própria narrativa: os espaços das comunidades negras de Porto Alegre. Texto de Mariana BierSaense. https://saense.com.br/2019/11/sujeitos-da-propria-narrativa-os-espacos-das-comunidades-negras-de-porto-alegre/. Publicado em 05 de novembro (2019).

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