IPT
26/12/2019
Estudo iniciado em 1933 no IPT irá gerar banco de dados sobre durabilidade do concreto brasileiro
O ano era
1933 e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas ainda não era o IPT – o então
Laboratório de Ensaios de Materiais, ou LEM, só receberia essa alcunha um ano
depois, sob a liderança do engenheiro civil, pesquisador, educador e
empreendedor Ary Torres. Nessa época, Torres já tinha em seu currículo
trabalhos como especialista em materiais de construção, sobretudo ligados ao
concreto. E foi com o objetivo de estudar a durabilidade e o desempenho desse
material que foi lançado um projeto visionário e pioneiro até os dias de hoje:
por que não estudar a resistência do concreto ao longo de 50 anos após sua
produção?
Até então, havia apenas uma cimenteira nacional – a Cimento Perus, que
concordou em participar do projeto proposto por Torres. Foram produzidos 240
corpos de prova com seis tipos diferentes de traço – ou seja, seis diferentes
proporções de mistura dos ingredientes principais do concreto (cimento, areia,
brita e água). Os corpos de prova, submetidos a condições controladas de
armazenamento, deveriam passar por testes de ruptura com várias idades no
período de 50 anos, para verificar a sua resistência à compressão.
O mercado da construção civil, o número de fábricas e os
tipos de cimento cresceram no Brasil ao longo das décadas, assim como o
projeto: até 1965, mais quatro cimenteiras aderiram ao projeto e cerca de 15
mil corpos de prova foram produzidos por diferentes gerações de pesquisadores e
técnicos do Instituto. Ao longo dos anos e até hoje, os rompimentos foram
realizados periodicamente, conforme as orientações iniciais de Torres – alguns
exatamente nas datas especificadas, outros um pouco fora do cronograma.
Das 15 mil amostras, 422 ainda estavam armazenadas no IPT em
2019 – a ‘sobra’ se deu devido à produção em excesso, mudança de escopo do
projeto e à conservação de alguns corpos de prova para estudos posteriores. Por
exemplo, parte dos corpos de prova confeccionados em 1933 deveria ser submetida
à exposição em água doce e salgada – o que nunca aconteceu. Foi a coleção
desses 12 corpos restantes, não rompidos e armazenados no IPT, que permitiu um
momento histórico: a análise da resistência do concreto após 86 anos da sua
confecção.
“Não há projetos semelhantes a esse no Brasil. Mesmo no
mundo, o único de que temos conhecimento é um projeto que analisou a
durabilidade de 100 anos de concreto, na Universidade de Wisconsin, nos Estados
Unidos”, aponta Karoline Mariana Gonçalves, pesquisadora do Laboratório de
Materiais de Construção Civil do IPT. “As
normas têm como padrão a análise do concreto após 28 dias da confecção. Para o
concreto de 86 anos que rompemos, por exemplo, verificamos que a resistência
continuou a crescer após esse período. Isso permite criar parâmetros para o
comportamento do concreto em obras de construção civil, muitas datadas da mesma
época de confecção dos corpos de prova”, analisou.
Além de dois corpos de 1933, mais 10 datados de 1942, 1954,
1963 e 1964 foram rompidos em novembro de 2019. Ex-pesquisadores do IPT que
trabalharam no projeto, muitos deles referência no cenário do cimento e do
concreto no Brasil atualmente, estiveram presentes. Os resultados dos ensaios
de compressão mostraram que a resistência do concreto aumentou
consideravelmente com a passagem dos anos (veja tabela com os dados).
“Esses resultados são importantes não apenas para a
tecnologia do concreto, mas para a evolução da indústria brasileira. Embora o
concreto seja um material antigo, a fabricação dentro de um protocolo, com
composição química definida, é recente, tem cerca de 100 anos. É um material
muito jovem”, explica Paulo Roberto do Lago Helene, ex-presidente e atual
diretor do Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon). “Agora, temos
informações fidedignas do comportamento do material ao longo do tempo – é um
material de referência, importante para o crescimento do setor e da
consolidação da nossa forma de construir”.
Os resultados completos dos rompimentos realizados no evento
de novembro, junto às análises dos corpos de prova, devem ser disponibilizados
em artigos científicos nos próximos meses.
UM NOVO PROJETO – Organizar um banco de dados capaz de
fornecer informações de valor para o meio acadêmico e industrial da construção
civil, bem como para a sociedade, é uma das prioridades da equipe atual do
Laboratório de Materiais de Construção Civil do IPT. Em 2017, o laboratório
iniciou um projeto de capacitação para recuperar, organizar e sistematizar
todos os documentos, relatórios, certificados, dissertações, teses e trabalhos
acadêmicos relacionados ao projeto.
“Os últimos rompimentos, que deveriam ter ocorrido em 2015 –
totalizando 50 anos dos últimos corpos de prova moldados – foram postergados, a
fim de que pudéssemos organizar o grande volume de material”, conta Priscila
Rodrigues Melo Leal, coordenadora do trabalho. “Digitalizamos os documentos e
tabulamos os resultados de todos os ensaios realizados nos últimos 86 anos.
Entendemos que isso era fundamental para dar continuidade e conclusão a esse
projeto”.
O próximo passo, segundo a pesquisadora, é prosseguir com os
rompimentos e a análise das propriedades físico-mecânicas dos materiais, tal
como idealizado em 1933. Mas não só – a evolução da tecnologia, aliada ao
excedente de corpos de prova armazenados no Instituto, deve abrir um leque de
novas oportunidades de análise e compreensão do material.
“Dispomos hoje de novas tecnologias que permitem uma análise
mais apurada do concreto. Pretendemos fazer uma análise microestrutural das
amostras, com a qual poderemos avaliar a evolução do material cimentício em
termos de distribuição e composição. Também serão feitas análises mineralógicas
e químicas, além de outras mais refinadas, como tomografia computadorizada, por
exemplo”, enumera Leal. “Guardar algumas amostras para garantir novas informações
conforme a tecnologia e ciência avançam também é um objetivo”, finaliza.
Nas palavras de Maria Alba Cincotto, ex-pesquisadora do
Laboratório de Químicas de Materiais do IPT (precursor do atual Laboratório de
Materiais de Construção Civil do Instituto) e atual professora da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), o estudo pode ser
considerado um tesouro, e vem em momento ‘feliz’ da ciência do cimento e do
concreto. “Se esses ensaios tivessem sido feitas há dez anos atrás, não
teríamos as respostas que poderemos ter hoje, porque as técnicas de análise da
microestrutura e tudo o que envolve materiais cimentícios estão mais
desenvolvidos atualmente”, aponta ela, que fez o rompimento de um corpo de
prova cinquentenário do projeto durante seus anos de trabalho no IPT.
PASSADO, PRESENTE E FUTURO – Para Fabiano Ferreira Chotoli,
pesquisador atualmente à frente do laboratório do IPT, entender o comportamento
do concreto é de fundamental importância para a sua preservação. “Muitas obras
de arte, como pontes e viadutos, e mesmo edifícios foram construídos utilizando
concreto na cidade de São Paulo no início do século passado”, conta.
Na opinião do pesquisador, o projeto realizado pelo IPT tem
como contribuição um maior conhecimento do material. “Parece simples analisar a
resistência do concreto; por trás disso, existem outros conhecimentos. Entender
a capacidade que o concreto tem de suportar algumas condições é fundamental
para buscar alternativas para sua recuperação e para a escolha de materiais
compatíveis a serem adotados”, aponta.
Francisco de Assis
Souza Dantas coloca sua opinião na mesma linha. Dantas trabalhou no IPT por
mais de 20 anos – alguns deles no então Laboratório de Concreto, participando
ativamente do projeto junto ao colega Carlos Eduardo de Siqueira Tango (cujo
doutorado envolveu a análise da influência da temperatura do local onde foram
armazenados os corpos de prova).
“Além do aspecto da estabilidade e da segurança
do concreto, esse projeto traz à luz a questão da durabilidade. Pretende-se com
uma construção de concreto armado que ela dure anos e anos. Temos toda uma
infraestrutura de saneamento básico, com estações de tratamento de água e
esgoto, para as quais o material mais apropriado para a construção ainda é o
concreto. O trabalho do IPT auxilia a dimensionar o concreto para suportar a
agressividade do meio ambiente”, avalia Dantas.
Como já aponta a fala de Dantas, mais do que apenas preservar e recuperar as
obras já existentes, o banco de dados e o conhecimento armazenado no projeto
quase centenário do Instituto deve ter um papel importante para o futuro da
tecnologia do concreto. Chotoli compartilha dessa visão.
“O cimento do início do século era um cimento Portland comum, de clínquer e
gipsita. Hoje, temos a inserção de materiais suplementares cimentícios, adições
minerais e outros aditivos, tanto no cimento quanto no concreto, que procura
elevá-los a patamares mais avançados de durabilidade e desempenho. Entender
como esse cimento era na época e como está se comportando hoje é fundamental –
trata-se de um material de referência que também fornecerá informações
relevantes para os tecnologistas projetarem concretos cada vez mais
duráveis”.
Como citar esta notícia de inovação: IPT. Concreto 86 anos. Saense. https://saense.com.br/2019/12/concreto-86-anos/. Publicado em 26 de dezembro (2019).