Tábata Bergonci
10/04/2020

Os coronavírus são um grupo de vírus com o genoma grande formado de RNA (e não DNA, como a maioria dos seres vivos). Basicamente, são seres formados de material genético (RNA) envolvidos por uma cápsula (que chamamos nucleocapsídeo) e um envelope. Esse material genético é usado, como em todos os tipos de vírus, para infectar uma célula (a hospedeira!) e fazê-la produzir mais vírus. Os coronavírus tem esse nome porque em volta de seu envelope se encontra a proteína spike, dando forma de coroa ao vírus. A proteína spike funciona como uma chave que quando encontra uma proteína específica da célula humana, que serve como porta, adentra a hospedeira e começa seu trabalho.
Coronavírus são conhecidos desde 1930 e infectam aves e mamíferos. Entre os coronavírus que infectam humanos, até hoje se conhecem sete espécies (incluindo o novo Covid-19). Dos sete coronavírus que infectam seres humanos, dois deles são mais letais, causando as doenças SARS-Cov, que mata cerca de 10% dos infectados e foi descoberta em 2002 na Ásia; e MERS-Cov, que causa falência dos rins e foi descoberta no Oriente Médio. As outras cinco espécies de coronavírus causam geralmente resfriados leves, podendo em cerca de 2% dos casos acarretar pneumonias graves e morte. As outras cinco espécies são chamadas 229E-Cov, OC43-Cov, NL63-Cov, HKU1-Cov e a mais nova, SARS-nCov, que causa a Covid-19.
Como todas as sete espécies de coronavírus têm muito em comum, o estudo de qualquer uma delas se faz importante para entendermos melhor como o vírus age e como eliminá-lo. Em 2014, pesquisadores poloneses estudaram a espécie NL63 para tentar desvendar o que possibilita a entrada do vírus e sua aderência às células humanas [2]. NL63, apesar de causar resfriados leves na maioria das pessoas, é perigosa em crianças e em pessoas com problemas imunológicos.
Esse estudo trouxe descobertas importantes. Primeiro, eles mostraram que, assim como para SARS-Cov, a proteína receptora das células humanas que permite a entrada dos vírus se chama ACE2. ACE2 funciona como uma porta para a proteína spike (a chave) do vírus e está presente em células pulmonares humanas. Se das sete espécies, duas delas têm comprovadamente entrada permitida por ACE2 em humanos, a chance do novo coronavírus utilizar a mesma porta de entrada é grande! Quais seriam então novas linhas de estudo? Tentar bloquear ACE2 nas células pulmonares de maneira que o coronavírus não conseguisse entrar seria uma das opções. Porém, nada é tão simples, ACE2 existe nas células do pulmão porque são importantes lá e, sem ela, existiria um desbalanço hormonal muito grande.
Quando um vírus encontra uma possível célula hospedeira, antes mesmo de encontrar a proteína “porta”, ele precisa se aderir a essa célula, ou seja, ficar grudado na célula. Em alguns casos, a mesma proteína “porta” serve como ancoragem para esse vírus aderir. Já em outros casos, outra ou outras moléculas fazem esse papel. Como seria então para os coronavírus? Os cientistas poloneses descobriram que, no caso de NL63, ACE2 não funcionava como molécula aderente, pois o coronavírus conseguia “se grudar” nas células mesmo sem a presença de ACE2. Simplificando: não é necessário ACE2 para o coronavírus se aderir as células humanas, o que significa que, apesar das células das nossas mãos não terem ACE2, o vírus pode muito bem “se grudar” ali! Mas claro, como nossas mãos não têm ACE2, ele não consegue entrar, e precisa viajar até os pulmões caso queira se replicar.
Na busca por qual molécula da célula humana permitia essa aderência ao coronavírus, os pesquisadores encontraram que cadeias de açúcares específicos, chamados heparam sulfato, eram os responsáveis pela ancoragem desses vírus. Heparam sulfato são cadeias de açúcares que ocorrem nas células dos animais. Eles ficam na superfície externa da célula e atuam captando moléculas que vêm de outras células e do meio externo. Apesar das células de mamíferos possuírem heparam sulfato, é possível, por competição, fazer com que os vírus se liguem a um heparam sulfato colocado de forma externa à célula. Quando heparam sulfato solúvel foi usado em células, o vírus não conseguiu aderir a estas e causar infecção, pois estes ficaram aderidos ao heparam sulfato não celular. Quando os pesquisadores aumentavam a dose de tratamento com heparam sulfato solúvel, menor era a capacidade do vírus de aderir as células.
Dessa forma, a descoberta mostra que sem as cadeias de heparam sulfato o coronavírus não pode se ligar ao receptor e se replicar. Como não é possível retirar o heparam sulfato das células humanas, já que estes são importantes para diversos processos celulares, uma ideia para eliminar o coronavírus seria o tratamento com esses açúcares. Os coronavírus então se ligariam todos ao heparam sulfato externo e não infectariam as células. É claro que a teoria é mais fácil que a prática nesse caso! Não é simples nem barato produzir heparam sulfato e o tratamento deveria ser feito com heparina, um anticoagulante já usado em procedimentos médicos com fórmula bastante parecida com a do heparam sulfato. Mas aí mais perguntas viriam: Como aplicar essa heparina nos pacientes? Qual quantidade? Quais efeitos colaterais? Como sempre na ciência, muitos testes e experimentos precisam ser feitos antes das melhores soluções serem concretizadas.
[1] Crédito da imagem: NIAID, Flickr, CC BY 2.0.
[2] A. Milewska et al. Human Coronavirus NL63 Utilizes Heparan Sulfate Proteoglycans for
Attachment to Target Cells. November 2014 Volume 88 Number 22 Journal of Virology p. 13221–13230.
Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Estudo com coronavírus NL63 traz esperança no tratamento da Covid19. Saense. https://saense.com.br/2020/04/estudo-com-coronavirus-nl63-traz-esperanca-no-tratamento-da-covid-19/. Publicado em 10 de abril (2020).