Fiocruz
02/06/2020

[1]

Nísia Trindade Lima*

No conhecido conto A roupa nova do rei os súditos são levados a admirar o inexistente traje real até que uma criança desmascara a farsa: “o Rei está nu”. O mesmo ocorre em tempos de pandemia quando a vulnerabilidade de todos os países, mesmo os mais ricos, é desvelada. Pela sua alta transmissão, a Covid-19 põe também a descoberto a interdependência dos grupos sociais à medida em que todos podem “pegar a doença”. Há, contudo, profundas diferenças no modo de circulação do vírus e na possibilidade de proteção. Em outras palavras, a doença não será a mesma em todos os lugares.

No Brasil, o maior desafio consiste na desigualdade social expressa nos mais diferentes indicadores: alta taxa de desemprego e trabalho informal e condições precárias de moradia, com habitações sem acesso ao saneamento. Acrescente-se a alta prevalência de doenças crônicas entre os maiores de 18 anos, o que implica a presença de fatores de risco para um terço da população e o consequente rejuvenescimento da Covid-19. Não menos importantes são as desigualdades regionais, especialmente no que se refere ao acesso a leitos de UTI.

Neste momento, a população brasileira conta com um aliado de valor inestimável: o Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema universal que, a despeito do grave problema de subfinanciamento, tem dado respostas que podem e devem ser aprofundadas. Entre os vários obstáculos, a dependência tecnológica constitui uma barreira cuja superação requer um elevado esforço nacional. Importam-se 90% de fármacos, 80% de ventiladores e equipamentos e até para produtos mais simples, como as EPIs, a dependência chega a 90%. Enfrentá-la torna-se um imperativo, ainda mais quando se assiste a uma grande mobilização global em torno dos investimentos nacionais na produção e na inovação em saúde destinados ao enfrentamento da pandemia.

A nova resolução da Assembleia Mundial da Saúde que define como bens públicos as novas vacinas destinadas ao enfrentamento da Covid-19 traz um sopro de esperança em um cenário de alta competitividade. No caso do Brasil, há grande potencialidade para participação em um contexto de maior cooperação internacional, entre outras razões por contar com o maior sistema universal do mundo. É digno de nota também o fato de 30% da pesquisa nacional e da capacidade produtiva e tecnológica em saúde, sobretudo em vacinas e produtos para diagnóstico, ser realizada em instituições públicas. Nelas há, ainda, capacidade tecnológica relevante e parcerias com o setor produtivo privado em medicamentos.

É a base científica e tecnológica em testes moleculares para diagnóstico que permitirá à Fiocruz produzir 11 milhões de testes moleculares e também contribuir para maior velocidade no processamento de análises de amostras através de centrais analíticas em apoio aos Laboratórios Centrais dos estados. Uma dessas centrais será implantada no estado do Ceará pela Fiocruz, em parceria com a iniciativa Todos pela Saúde, e com o apoio do Ministério da Saúde.

Ao completar 120 anos, a Fiocruz procura ser parte da resposta à crise sanitária, econômica e humanitária no País. O momento requer solidariedade, participação ativa da sociedade e forte presença do Estado. Salvar vidas, fortalecer o SUS e, como parte dele, o Complexo Econômico e Industrial da Saúde são os compromissos que se impõem à instituição e à sociedade brasileira. 

*Nísia Trindade Lima é presidente da Fiocruz

[1] Foto: Sandro Barros / Prefeitura de Olinda, Flickr, CC BY 2.0.

Como citar este artigo: Fiocruz. O Brasil e a Covid-19: a importância do SUS.  Texto de Nísia Trindade Lima. Saense. https://saense.com.br/2020/06/o-brasil-e-a-covid-19-a-importancia-do-sus/. Publicado em 02 de junho (2020).

Notícias da Fiocruz     Home