Jornal da USP
28/07/2020
A revista Cadernos de Campo traz um ensaio sobre a relação entre a pandemia de covid-19 e a velhice em texto do antropólogo Carlos Eduardo Henning, professor de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás. Henning faz uma análise do momento da vida pelo qual todos passam ou passarão, fase difícil por vários aspectos, como limitações físicas e de saúde, de oportunidades de trabalho, emocionais, sociais e familiares. Muitas vezes o idoso é alvo de piadas, sentindo-se abandonado e angustiado por ser posto à margem em uma sociedade que despreza e desvaloriza os mais velhos.
Em plena pandemia, o que se observa é o preconceito e os estereótipos relativos aos idosos agravarem-se pelo fato de, muitas vezes, as mídias sociais ridicularizarem essa população com piadas e vídeos mostrando-os em ações infantilizadas perante as determinações de isolamento social, “abusando-se de memes sobre ‘véios’ trancafiados, pulando o muro de casa”, explica Henning.
Os preconceitos sociais se aliam, de acordo com o autor, ao olhar cruel dos governos ao tratarem “vidas velhas” como objetos a serem descartados, pois são consideradas “fardos sociais”, seres improdutivos, um gasto desnecessário para a economia do país, indignos da proteção coletiva e do Estado, já que não são mais dotadas de “capacidade de agência, racionalidade e bom senso”.
Segundo o autor, a pandemia pôs às claras e intensificou as desigualdades sociais e econômicas no Brasil, visto que minorias não só de idosos, mas pobres, negros, indígenas, LGBTQIA+ e moradores de regiões rurais precárias são os que mais sofrem já que não há preocupação governamental para melhoria das condições das favelas, periferias, quilombos e povos indígenas do País.
O governo federal, diz o artigo, age contrariamente a todas as determinações para se conter a contaminação pela doença, isentando-se de qualquer cuidado em relação aos idosos, jogando a responsabilidade total nas costas dos familiares dos mesmos, aos quais recomenda que “cada família tem que botar o vovô e a vovó lá no canto e é isso. Evitar o contato com eles a menos de dois metros. E o resto tem que trabalhar”, pontua o antropólogo. Tratados como crianças que precisam de tutela, avôs e avós são vistos como objetos antigos da mobília da casa.
O ensaio conta com depoimentos de minorias sob vários aspectos, indignadas com a sensação de condenados à morte, principalmente os idosos, os quais relatam depressão, ansiedade, medo, solidão, insegurança, tudo isso gerado pelo descaso dos dirigentes do País. Henning declara: “é difícil dar sentido a isso tudo. É difícil escrever. É difícil respirar. Mas é preciso, mesmo na dor, no sofrimento e luto”.
Devido ao isolamento social, sair na rua para reivindicar respeito à saúde das minorias ou a mudanças políticas, sociais e econômicas que todos sabem ser urgentes, é “desafiador e arriscado”, embora muitos o façam. Escrever ou simplesmente respirar, quando o poder deseja a sua aniquilação, são atos de resistência significativos perante, nas palavras do autor, as “monstruosidades necropolíticas […] e gerontocidas em nosso país e em outros pontos do mundo em pleno 2020”.
Artigo
HENNING, Carlos Eduardo. Nem no mesmo arco nem nos mesmos mares. “Conjuntura”. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 150-155, 2020. ISSN: 2316-9133. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v29i1p150-155. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/170798. Acesso em: 22 jun. 2020.
Contato
Carlos Eduardo Henning – Professor de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás, Goiânia. E-mail: carloseduardohenning@ufg.br. [1]
[1] Texto de Margareth Artur – Portal de Revistas USP.
Como citar esta notícia: Jornal da USP. Ensaio discute práticas de governo e discursos sobre a velhice na pandemia. Texto de Margareth Artur. Saense. https://saense.com.br/2020/07/ensaio-discute-praticas-de-governo-e-discursos-sobre-a-velhice-na-pandemia/. Publicado em 28 de julho (2020).